23 fevereiro, 2023 O mistério do quarto escuro
À hora marcada, ele entrou sem dizer nada.
O quarto está escuro quando ele chega. Não porque eu sinta vergonha do meu corpo, ou tenha pudor em mostrar a minha nudez. Há muito que resolvi esses e outros preconceitos sobre mim própria.
Também não é porque não o queira ver. Não o conheço, não sei se é alto ou baixo, gordo ou magro, feio ou bonito. Isso não me interessa. Hei-de querer vê-lo, a seu tempo. Mas não quero que me veja ainda. Quero que tudo continue a ser um mistério, exactamente como começou.
Deixei tudo muito claro no anúncio:
“Mulher procura homem para sexo anónimo e consensual.Sem nomes, sem fotografias, sem conversas, sem preliminares.”
A resposta dele foi a mais seca, mais cínica até.
“Diz dia, hora e local.”
Assim mesmo, sem floreados.
Todos os outros não se coibiram de querer saber mais, nomeadamente sobre a minha estampa, sobre os meus atributos:
– Tens pelinhos ou és rapada?– Mamas grandes ou pequenas?– És completa, dás o cu?
Só ele ignorou as necessidades básicas da curiosidade humana e abraçou o mistério como ele foi proposto:
“Mulher procura homem para sexo anónimo e consensual.”
A sua resposta, telegráfica, não apenas me convenceu como desfez todas as minhas inseguranças, todas as minhas hesitações. Ele não queria saber como nem porquê. Apenas o:
“Dia, hora e local.”
Marquei para um motel, dois dias depois, para ambos termos tempo de alimentar a fantasia, de usufruir da expectativa do momento. Outra vez, a resposta dele foi sintética e perfeita:
“Lá estarei.”
Sem mais nem mas. Sem querer saber se:
– És mais para o cheínho ou mais para a tábua de passar a ferro?– És loira ou morena? (porque razão ninguém pergunta pelas ruivas?!)– És profissional ou amadora? Divorciada ou dona de casa? Ninfa, milf ou gilf…?
Sem precisar de antecipar pormenores para planear a performance:
– Gostas que te chupem o grelinho?– Gostas que te mordam os mamilos?– Gostas de beijo negro?– E se for um dedinho maroto?– És boa a mamar no pau?
Nada.
“Lá estarei”
Ponto.
Sem precisar de racionalizar a atracção. Bastando-lhe saber que algures, ao seu alcance, havia uma mulher disponível para lhe abrir as pernas, a tais horas, em tal dia e em certo sítio. Nos códigos do sexo casual, não se encontrava mais cavalheiro do que isto...
Ele foi pontual. Eu cheguei mais cedo, mas não muito. Não queria fazer a higiene como a lógica machista exige do eterno feminino: “a mulher para foder tem que estar bem cheirosa; já ele, não importa que cheire a cavalo”... Já dei para essas assimetrias, que se fodam, ou há igualdade ou comem todos! Não me lavei...
Não me perfumei demais, não passei cremes na cona, apenas lavei os dentes para calar o bafo dos cigarros (com a excitação, fumei bastante mais do que o costume).
De resto, despi-me como cheguei da rua, nem passei água pelo sovaco, deitei-me na cama com os suores do dia, com os vapores do frenesi de chegar ali “para aquilo” bem entranhados nos meus poros. Não despi as cuecas e o soutien exactamente para isso, para os temperos do meu corpo ficarem o mais possível armazenados na pele, nos côncavos da minha intimidade, a transpirar do meio das mamas e húmida entre as pernas.
À hora marcada, ele entrou sem dizer nada.
Ouvi-o pousar qualquer coisa, uma mala, uma mochila, desconheço. Depois ficou parado por um momento, presumi que os seus olhos tentavam habituar-se à escuridão até serem capazes de vislumbrar um recorte de qualquer coisa física que o ajudasse a decidir o próximo passo, o caminho a seguir. Ao entrar, ao esbarrar no breu vindo da luz, nem poderia saber onde se encontrava a cama...
Suponho que também eu o ajudei a perceber a geografia do espaço e do momento, já que, ao ouvir no quarto apenas a sua respiração, também a minha acelerou e se tornou mais sonora. Souberam aí os dois personagens, que mais não sabiam um do outro, que estavam juntos numa reunião secreta de duas criaturas vivas… Vivas e ansiosas, o ritmo cardíaco de ambos denunciava-o audivelmente.
Quando pensou saber onde estava, ouvi-o começar a despir-se.
Foi muito rápido. Ou trazia pouca roupa ou tinha um dom natural para a acção...
Logo a seguir, senti o seu peso na cama, procurando às apalpadelas um espaço próximo ao meu volume para se aninhar. E aí, mal o fez, surpreendeu-me. Nada abjecto ou descabido, o contrário: beijou-me na boca...!
Como a encontrou tão naturalmente no escuro é um mistério dentro do mistério. É que nem acertou de raspão na bochecha, foi de lábios directos ao centro dos meus lábios! Em segundos tinha a língua enfiada na minha língua e – outra boa surpresa – a mão enfiada nas minhas cuecas.
Beijava bem. Muito bem. Apanhou-me desprevenida, nunca idealizara beijos ao planear a experiência... Mas agora resfolegava na boca dele, completamente envolvida, enquanto três mãos ansiosas exploravam partes obscurecidas dos respectivos corpos...
A outra mão, ele mantinha-a na minha cona, que lhe enchia os dedos de matéria quente e gelatinosa.
Eu sentia-me ferver. Ele acariciava-me bem em baixo e principiara a lamber-me as mamas, o pescoço, a mordiscar-me os mamilos. Em nenhum momento exibiu sinais de pressa, pelo contrário, toda a sua linguagem parecia dar-me confiança para me abandonar, já que ele não o faria.
Talvez por há tanto tempo imaginar (desejar!) uma cena tórrida com um homem anónimo, acabei por me vir rapidamente com a sua masturbação... Um orgasmo intenso e bruto, cujas particularidades ele ficou a conhecer desde logo e que o excitaram ainda mais. Sentia o seu pau duro e saltitante a embater na minha barriga, enquanto me introduzia um dedo no ânus e eu me vinha aos soluços nas suas mãos.
Ele foi atento o suficiente para me dar um momento, para me deixar refazer, e não apenas atento, durante esse pequeno hiato não deixou de me providenciar carinhos, lascivos, sim, mas sobretudo de ternura sensual. Essa intimidade surpreendente levou-me a agarrar-lhe o pau e, dobrando-me à sua frente dentro dos lençóis, a metê-lo todo na boca.
Quando gostamos de um caralho, adoramos o broche. Ele não era muito comprido, mas era grosso e duro. Suguei-o lentamente, ao início, depois com mais veemência, arrancando-lhe gemidos fortes. Devia ter uma voz grave. Até aí não trocáramos palavra...
– Aiiiii, fooooooda-seeeeeee!!!!!
Em delírio extremo, ele tinha-se colocado sobre mim numa espécie de missionário oral que me deixou escancarada e gritou, ejaculando dentro da minha boca.
– Espera, não engulas...
Tinha de facto uma voz grave, grossa mesmo. Disse-o a tempo, pois já brincara com a esporra dele na minha língua e preparava-me, efectivamente, para engolir. Mas ele procurou de novo a minha boca e fez com que, num beijo, uma parte da sua esporra se transferisse para a própria boca. Os dois engolimos um bocado, democratizando assim o “delito”.
Se antes eu estava a ferver, aquilo deixou-me em fogo! A ele também...
– Desculpa vir-me tão depressa. Tudo isto... Estava demasiado excitado.– Hei, aqui não há desculpas...
Foi a primeira vez, e a última, que ele ouviu a minha voz.
Aliás, a descarga pegajosa como que nos deixou a ambos de boca colada. Nem eu, nem ele dissemos mais nada.
Mesmo depois de, no fim do encontro, abrirmos as cortinas e de nos vestirmos diante um do outro, como dois miúdos traquinas cheios de malícia e curiosidade, apenas sorrimos, rimos, flirtámos com o olhar, em silêncio.
Antes tínhamos fodido bem, forte e feio. Eu cavalgara em cima dele como uma égua em cima do cavaleiro.
De seguida, ele cavalgara em cima de mim longamente, avidamente.
Antes de me virar, enfiara-me de novo os dedos e, num número digno de um contorcionista de circo, colara os lábios ao meu clitóris, que chupou quase violentamente.
Com todos os artifícios a trabalhar em simultâneo, com muita rapidez e força de pulso, arrancou-me um segundo orgasmo que teria acordado a vizinhança, não fossem 3 da tarde e não estivéssemos num motel onde, por sinal, outros gemidos de outros amantes ecoavam vindos um pouco de todo o lado. Ainda assim, os meus gritos abafaram nesse momento todos os outros.
Depois, sem me deixar descansar, montara-me por trás.
A dada altura quis meter-mo no cu, e eu anuí, mas não conseguimos, não cabia (nenhum de nós se lembrara de levar lubrificante), portanto, continuou a foder-me a cona mas enrabando-me de tempos a tempos com os dedos.
Vim-me mais duas vezes, a primeira quando ele se esporrou nas minhas costas, com jactos que me chegaram às sobrancelhas... Aí rebentámos os dois ao mesmo tempo! E depois quando, excitada de o ver tão excitado, já posta de pé, a olhar-lhe o caralho ainda teso e pulsante, em 20 segundos bati uma punheta que me fez explodir pela quarta vez...
Caí na cama, esgotada de prazer e ele, o meu anónimo misterioso, acariciou-me os cabelos, a face, o pescoço, as mamas, como um amante dedicado.
Despedimo-nos sem conversa e sem cerimónia, com um beijo na cara e um aperto de mão... Sem preliminares antes nem depois.
Vi na sua cara que ele adorara a “reunião”. Tinha aquele olhar cintilante de macho satisfeito por fazer bem o seu serviço.
Eu também amei. Sem dúvida, uma experiência a repetir...
Ele saiu primeiro, eu levei-o à porta. Distraí-me ainda a fumar um cigarro, a rever as melhores partes do filme que tínhamos acabado de realizar, com assinalável sucesso da crítica. Depois dos aplausos, restava-me voltar à vida...
Precisava de tomar um duche antes de sair. Não podia voltar a casa a cheirar a cona, a picha, a cu... Não queria dar nenhuma pista, a ninguém, do meu mistério. E muito menos, claro, queria levantar suspeitas ao meu marido.
Encontrei-o bem, feliz com o dia, contente por chegar a casa. Jantámos e fomos para a cama cedo, ver séries. Adormecemos felizes nos braços um do outro.
Armando Sarilhos
Armando Sarilhos
O cérebro é o órgão sexual mais poderoso do ser humano. É nele que tudo começa: os nossos desejos, as nossas fantasias, os nossos devaneios. Por isso me atiro às histórias como me atiro ao sexo: de cabeça.
Na escrita é a mente que viaja, mas a resposta física é real. Assim como no sexo, tudo é animal, mas com ciência. Aqui só com palavras. Mas com a mesma tesão.
Críticas, sugestões para contos ou outras, contactar: armando.sarilhos.xx@gmail.com