14 maio, 2021 O Clube dos Desconhecidos
Depois da separação com o meu companheiro e amante de muitos anos, passei por fases diversas.
Há meses que andava com o número de telefone na carteira. Não estava certa de que algum dia o iria usar. E a verdade é que acabei por me esquecer de que o tinha. Até que...
Depois da separação com o meu companheiro e amante de muitos anos, passei por fases diversas.
Primeiro, um desejo sexual como nunca tinha sentido. Uma volúpia constante e permanente, furiosa, que não parecia normal nem saudável. Não tinha a mínima vontade de estar com homens, mas passava horas na internet à procura de imagens, filmes, histórias, cenas extremas com caralhos descomunais e conas abundantes, e masturbava-me várias vezes ao dia.
Foi nessa altura que a minha irmã, preocupada com o meu emagrecimento excessivo, decidiu passar-me o número, sob a condição de, por minha vez, só o passar a alguém em que realmente confiasse.
– Porque é só isso, um jogo de confiança. As pessoas encontram-se, não sabem nada uma da outra, não perguntam nada uma à outra e nunca mais se voltam a encontrar. São as regras. Uma vez cumpridas, é seguro, responsável, discreto, adulto.
Não me dava mais pormenores porque não os sabia. Seguindo a lógica da coisa, achara melhor não fazer perguntas também. Usara o serviço, ficara satisfeita, era tudo. Dava como certo que me iria fazer bem, como fez a ela.
Mas então eu acabei por encontrar um novo estado de espírito, mais pacificado, mais normal, parecia-me. A fúria virara-se contra o alvo exterior, identificado. Revolta, raiva, ódio por todos os homens e suas agendas egocêntricas. Desistir do amor, pelo menos nesse formato, parecia-me o melhor a fazer. Haveria certamente mais coisas capazes de realizar uma mulher para além das “relações”.
Neste fogo de raivas, perdi qualquer desejo.
Até que, há algumas semanas atrás, fazendo a limpeza há muito adiada da minha mala, encontrei o post it rosa com o número de telefone que a minha irmã me deu. O Clube dos Desconhecidos, nome não oficial, mas o que lhes chamavam em surdina os seus membros. E ao tocar nesse pequeno quadrado de papel, pela primeira vez nessas longas semanas, senti um pequeno estremecimento húmido entre as minhas pernas.
Ainda não sei onde fui buscar a coragem. Talvez a essa excitação súbita que me fizera pingar dos lábios da cona. Penso que a teria perdido se tivesse ficado a pensar no assunto. A verdade é que não pensei: liguei!
– Nome que quer usar?
– Como? …Espere. Hã… Rosa?
Como o post it.
– Bom dia, Rosa. Para quando é?
– Hum? Amanhã…? Não, hoje. Hoje!
– Dê-me só um minuto, por favor.
Um minuto parecia-me tempo demais. Estava para desligar quando a voz voltou, profissional:
– 21 horas. Hotel Lisboa, quarto 303. Mário. Importa-se de repetir?
– Hã… Hotel Lisboa, Mário… Hã… 21 horas, quarto 303.
– Obrigado. Bom dia.
E desligou assim, sem mais nada. Mas não era preciso ser um génio matemático para entender a equação: esta noite, às 21 horas, no quarto 303 do Hotel Lisboa, Rosa e Mário, dois perfeitos desconhecidos, iriam encontrar-se para ter sexo seguro, responsável, discreto, adulto. Sem perguntas.
Só quando pousei o telefone percebi que tinha a outra mão dentro das cuecas e massajava avidamente a minha racha. Tinha estado a masturbar-me o tempo todo. Depois, não pude parar...
Foi um orgasmo bruto, seco, como um choque eléctrico. Mas imediatamente revitalizador.
Senti as faces quentes, devia estar vermelhusca. Lambi os dedos encharcados, tirados directamente da racha e, de repente, voltei a sentir-me mulher. Escusado será dizer que fiquei bastante excitada para o encontro dessa noite…
Ao entrar no quarto sentia-me bastante segura de mim. Depois de um longo banho de imersão, a minha pele estava macia como um bebé. A roupa que escolhera era sóbria, mas sensual. Dava-me um ar de poder. E ainda trazia a memória residual do orgasmo da tarde, que influenciava o meu corpo com uma dinâmica enérgica, decidida. Vi como os homens na rua observavam o meu passo. Sentia-me “boa”, como me costumava sentir.
No entanto, quando entrei no compartimento e o vi, toda a confiança resvalou por mim abaixo. Vi-me no grande espelho do quarto, exposta, vestida, mas sentindo-me nua sob o escrutínio do seu olhar, porque as intenções eram claras, ele sabia ao que eu ia, sabia que em breve me iria despir para ele. E isso deixou-me vulnerável ainda antes de verdadeiramente o estar.
Felizmente, era notório que não era a primeira vez que ele o fazia, pois lidava naturalmente com toda a situação.
– Rosa?
– Mário?
– Prazer.
Estendi a mão para apertar a dele, o que me fez rir nervosamente. Ele também riu, percebendo o mesmo que eu. Daqui a nada ele iria provavelmente enterrar o caralho no meu cu, razão mais que suficiente para dispensarmos formalidades, mas… permanecíamos humanos.
De qualquer forma, o primeiro impacto fora vencido, por isso deixámo-nos beijar um pelo outro e as primeiras peças de roupa começaram a ser retiradas.
Gostei logo das mãos dele. Agarraram-me como um homem. Sabiam onde tocar e com que intensidade. Percebe-se logo quando um homem está apenas focado no seu prazer ou, pelo contrário, quando o seu prazer deriva essencialmente do prazer que oferece ao outro. Ele era seguramente desta categoria. Dos homens que praticam consistentemente o amor, que o estudam e se dedicam a saber fazê-lo. Não o tipo para quem o sexo é um caminho para se vir, mas o climax onde é possível chegar investindo forte em todos os estágios intermédios do prazer. O homem que só ficaria satisfeito com a refeição completa, nunca apenas com as entradas e muito menos com a sobremesa.
Para ponto de partida, enfiou-me um dedo no cu. Lá está. Um homem não mete o dedo no cu duma mulher, sob o risco de o sujar, se não estiver a pensar no prazer que lhe irá transmitir com esse gesto. Para além de ser um acto de instantânea intimidade.
Quando senti o seu dígito viril furar com decisão o interior do meu ânus, percebi que tinha desenvolvido uma empatia imediata pelo meu amante desconhecido. Ele controlava o ritmo, a pressão, as áreas exploradas, a situação em si… Só tinha que me deixar ir.
Despiu-me toda e, ambos nus, entregámos o corpo um ao outro. A carícia da pele com pele faz-nos sentir viajantes no tempo e no espaço. Queremos fechar os olhos e abri-los ao mesmo tempo, para disfrutar tudo, para não perder nada.
Depois de me sentar no sofá, manuseou-me a cona como se fosse um pedaço de carne que é preciso amaciar antes de cozinhar. De quando em quando, tentava penetrações bruscas do polegar na minha fenda, cada vez mais lambuzada dos sumos que ia vazando por baixo. O facto de não ir muito ao fundo, de ficar a meio, de prometer e não cumprir, era tantalizador e comecei a contorcer-me, tanto de êxtase como de frustração.
Até que, experiente, compreendendo a minha aflição, ele apontou um par de dedos até bem fundo e, sem delicadezas, meteu e tirou aceleradamente, até eu sentir que desejava toda a sua mão dentro de mim, até ao antebraço se fosse preciso… Vim-me compulsivamente assim, nas suas mãos!
Há muito tempo que não tinha um orgasmo provocado por um homem e a partir desse momento abdiquei de todo o controle sobre a minha feminilidade. Sentia-me e queria seu um mero objecto entregue ao amanhecer sexual.
Primeiro ele foi gentil. Transportou-me para cama e abraçou-me como se fôssemos velhos amigos, ou verdadeiros amantes. Beijava vertiginosa mas serenamente, no pescoço, nos ombros, mas mamas. Isso e o jogo de mãos, que me surpreendiam nos sítios mais insuspeitos do corpo, dava-me a sensação de estar a ser acariciada por vários homens ao mesmo tempo. Nunca tinha sido tocada assim, nem por dedos tão curiosos.
E então, com naturalidade, o animal veio ao de cima e tudo em nós se tornou repentinamente bruto, brusco, carnívoro. As palavras que ainda não tínhamos precisado de dizer, tornámo-las sons guturais que nos vinham de dentro das entranhas. Ficámos bichos, bichos que fodiam como se não houvesse futuro.
Fodeu-me bem.
E amei o desconhecido.
Fodeu-me de várias maneiras.
E amei o abandono.
Fodeu-me na boca, na cona e no cu, e no processo transformei-me em algo diferente ao que alguma vez tinha sido. Plena e absolutamente aberta às correntes do sexo. Escrava voluntária dos seus rigores e seus caprichos.
Vim-me como nunca me tinha vindo…
Continuei a vir-me por muito tempo como nunca me tinha vindo.
Ele veio-se em cima de mim. Disparou como se eu fosse um alvo a abater.
Esporrada, morta, ressuscitada, rendida à natureza, evadida de mim mesma, cativa do prazer… Assim me sentia no dia seguinte, quando voltei a pegar no post it rosa e liguei de novo para o número de 9 dígitos, código de entrada para novos prazeres desconhecidos.
Actualmente sou um membro gold do Clube dos Desconhecidos. Já conheci muitos nomes e muitos arrancaram as pétalas desta Rosa que entretanto desabrochou.
Se alguma vez ouviram falar em “saltos para o desconhecido”, este é seguramente um dos que valeram a pena. Aliás, ainda nem sei quando irei aterrar...
Armando Sarilhos
Armando Sarilhos
O cérebro é o órgão sexual mais poderoso do ser humano. É nele que tudo começa: os nossos desejos, as nossas fantasias, os nossos devaneios. Por isso me atiro às histórias como me atiro ao sexo: de cabeça.
Na escrita é a mente que viaja, mas a resposta física é real. Assim como no sexo, tudo é animal, mas com ciência. Aqui só com palavras. Mas com a mesma tesão.
Críticas, sugestões para contos ou outras, contactar: armando.sarilhos.xx@gmail.com