30 novembro, 2023 Há um "retrocesso" na luta dos dxs trabalhadorxs do sexo. Líder da Aliança Europeia em entrevista
Sabrina Sánchez da ESWA fala do panorama atual do Trabalho Sexual.
A diretora executiva da Aliança Europeia pelos Direitos dxs Trabalhadorxs do Sexo - European Sex Workers' Rights Alliance (ESWA) -, Sabrina Sanchéz, esteve no primeiro seminário PAR organizado pelo Plano AproXima em Coimbra, onde falou sobre a realidade atual de quem faz Trabalho Sexual na Europa.
Sabrina Sánchez participou numa das mesas-redondas do seminário PAR: Visões Associativas que teve o Trabalho Sexual como tema central. No âmbito da presença no evento organizado pelo Plano AproXima, com o apoio do Classificados X
e em parceria com o Porto G, projeto da APDES – Agência Piaget para o Desenvolvimento, a dirigente da ESWA traçou o retrato do cenário atual, a nível europeu, quanto à luta por direitos dxs trabalhadorxs do sexo.
Como está o panorama europeu atual em termos do Trabalho Sexual?
Numa perspetiva legal, infelizmente, estamos a assistir a mais uma tentativa, por parte do feminismo punitivo, com todas estas mulheres que estão contra o Trabalho Sexual que denominam como uma forma de violência por si só, como se fosse um sinónimo ou relacionando-o com o tráfico de seres humanos, quando sabemos que são outras questões...
De que formas é que isso está a acontecer?
Assistimos a tentativas contínuas de, legalmente, denominar o Trabalho Sexual como violência de género. É indispensável que existam instrumentos que nos protejam contra a violência. Porém, também sabemos que o nosso trabalho não é violento intrinsecamente. A violência tem a ver com as leis criminalizadoras do Trabalho Sexual, com o dar poder às forças de segurança do Estado e aos clientes também.
Mas acha que estamos perante algum retrocesso na forma como se aborda o Trabalho Sexual?
Socialmente, as pessoas, na Europa, estão muito mais avançadas nesse sentido. Nos inquéritos que se realizam em vários sítios, as pessoas concordam que se regulamente o Trabalho Sexual de alguma forma, que tenhamos acesso a direitos, e claro, também a obrigações como qualquer trabalhador e qualquer cidadão. E é isso que queremos, esse reconhecimento como cidadãos que fazem parte da sociedade.
Então, o que falta?
Infelizmente, quem tem o poder, quem faz as leis - que são, na realidade, grupos pequenos, mas poderosos, com acesso aos recursos económicos e aos meios de comunicação e que estão a impor essas leis punitivas... Também podemos ver no Parlamento Europeu, na votação de um relatório sobre "Prostituição e as suas implicações transfronteiriças" feito por uma eurodeputada alemã que está contra o Trabalho Sexual, outra vez a tentativa de criminalizar a procura por serviços sexuais, de condenar... Então, legalmente, ou legislativamente, há um certo retrocesso, mas a sociedade está mais aberta do que os nossos políticos.
"Descriminalização em toda a Europa seria desejável"
Neste momento, há vários países europeus com abordagens diferentes ao Trabalho Sexual: há regulamentação em alguns, criminalização noutros... Isso pode ser complicado para quem faz Trabalho Sexual - até porque se viaja muito para trabalhar nesta área. Seria vantajoso ter uma abordagem comum?
Sim, seria importante. Mas isso é também o que a oposição procura: que haja uma abordagem proibitiva. A descriminalização em toda a Europa seria desejável - a partir daí, poderíamos aceder a direitos e também distinguir as situações de exploração e de tráfico do Trabalho Sexual.
Isso ajudaria a melhorar as condições de vida de quem se dedica a esta atividade...
Evidentemente que a descriminalização não é a varinha mágica que vai melhorar tudo. A partir daí, ficará sempre a luta dxs trabalhadorxs contra os empresários que vão querer sempre obter mais lucros da força do trabalho. Mas é o primeiro passo para acabar com essa desigualdade. Infelizmente, a Comissão Europeia não tem mandato para o fazer. São os Estados-membro, cada um deles, que têm competência para isso.
E porque é que esses países não dão o passo rumo à regulamentação?
Este tema é complicado para muitas pessoas - é algo que todos os países partilham. Quando há sexo e dinheiro... São dois tabus, sobretudo quando és mulher. Mas não podes viver sem dinheiro e o sexo está em todo o lado! É um tema difícil de abordar porque também pode acabar com a carreira de muitos políticos, sobretudo se tiverem uma postura pró-direitos que é minoritária. Então, têm de escolher - ou defendem um ideal em que acreditam, ou continuam a sua carreira política.
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"Uma montanha de problemas"
Em termos de dificuldades, quais são as principais que afligem as vida dxs trabalhadorxs do sexo em termos europeus?
A começar pela falta de espaços para poderem fazer Trabalho Sexual com segurança, a falta de reconhecimento e da cidadania que te dá o trabalho. E a partir daí, não podes aceder a uma casa porque não tens contrato de trabalho, não tens uma folha de pagamento, não podes comprovar os teus rendimentos, e isso também leva a que não possas ter acesso a cuidados de saúde... A partir do não reconhecimento do Trabalho Sexual como trabalho, deriva uma montanha de problemas que, muitas vezes, se resolvem com um trabalho reconhecido, regulado.
O que está a ESWA a fazer para melhorar a situação para quem faz Trabalho Sexual?
Somos uma organização pequena, em comparação com outras semelhantes que trabalham há muitos mais anos e que têm o apoio da Comissão Europeia - e nós não temos. Mas tentamos estar presentes nas discussões onde os direitos dxs trabalhadorxs do sexo podem ser afetados. Oferecemos também documentação em investigação sobre dados de interesse sobre o Trabalho Sexual, como, por exemplo, a relação das trabalhadoras do sexo com a polícia. Neste momento, estamos a fazer uma investigação que reúne 12 países.
Mas também promovem o empoderamento dxs trabalhadores do sexo através da formação, por exemplo.
Fazemos cursos de capacitação para trabalhadorxs sexuais para podermos dar-lhes oportunidades.... Realizamos conferências que podem ser sobre saúde, por exemplo, sobre acesso à PrEP [Profilaxia Pré-exposição ao VIH]... Temos a oportunidade de convocar as companheiras, para que se juntem fisicamente, para que também se conheçam e tenham essas redes entre os diferentes países, para que possam auto-organizar-se. Esse é o principal trabalho que temos - o poder de fazer comunidade, de capacitação e o advocacy em questões de política ao nível do Parlamento Europeu, da Comissão Europeia e desses órgãos onde precisamos que a voz dxs trabalhadorxs do sexo também esteja presente.
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Seguir o exemplo da Bélgica
E qual é a importância de eventos como o seminário PAR organizado pelo Plano AproXima em Coimbra? Faz sentido juntar as associações europeias do setor para discutirem sobre os principais desafios nesta área?
Sim, definitivamente. É sempre importante saber o que está a ser feito ao nosso redor, o que estão a fazer as nossas companheiras, o que estão a fazer os fornecedores de serviço que apoiam as nossas companheiras, que oferecem serviços de atenção, de saúde... Também é importante saber que conhecimentos podemos trocar, que experiências podem servir a outras. Não sabemos tudo! Então, temos que saber como estão a trabalhar as pessoas para também podermos fazer um melhor serviço à comunidade que atendemos.
E enquanto ativista nesta área, que grande vitória espera estar a celebrar a breve prazo?
Que a Bélgica - o único país que optou pela descriminalização total do Trabalho Sexual em 2022 - demonstre que este é o caminho. Xs trabalhadorxs do sexo foram consultadxs antes de se fazerem as leis, de desenhar isto tudo.... Normalmente, não se tem em conta o que dizemos! Simplesmente, legisla-se - porque "os políticos sabem tudo"! Mas que se demonstre que esse é o caminho a seguir e que outros países comecem a seguir esse mesmo caminho. Daqui a cinco anos, à parte de Bélgica, que tenhamos Malta... e, porque não, Portugal!
Sobre o Autor
Gina Maria
Jornalista de formação e escritora por paixão, escreve sobre sexualidade, Trabalho Sexual e questões ligadas à realidade de profissionais do sexo.
"Uma pessoa só tem o direito de olhar outra de cima para baixo para a ajudar a levantar-se." [versão de citação de Gabriel García Márquez]
+ ginamariaxxx@gmail.com (vendas e propostas sexuais dispensam-se, por favor! Opiniões, críticas construtivas e sugestões são sempre bem-vindas)