26 October, 2021 Nem só do VIH se faz a luta da Liga Portuguesa Contra a SIDA (há 31 anos com a mesma missão)
Mais uma reportagem do Especial Associações que prestam apoio a trabalhadorXs do sexo.
A Liga Portuguesa Contra a SIDA é a associação em destaque, neste mês, no âmbito do Especial Associações que prestam apoio a trabalhadorXs do sexo. Vem descobrir como esta IPSS apoia trabalhadorXs sexuais e a população em geral.
A Liga Portuguesa Contra a SIDA (LPCS) nasceu em 1990, em plena pandemia do VIH e SIDA. Mas, volvidos cerca de 30 anos, o seu âmbito de atuação é mais abrangente e envolve também as Hepatites Virais, outras Infeções Sexualmente Transmissíveis (IST) e doenças infeciosas como a Tuberculose.
Entre os vários projetos em curso da Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS/ONGD) sem fins lucrativos destaca-se a Unidade Móvel de Rastreios (UMR) "Saúde + Perto" que atua na Grande Lisboa, abrangendo os concelhos de Lisboa, Odivelas e Loures.
Esta UMR começou a circular em 2013, no âmbito do Plano de Desenvolvimento Comunitário da Mouraria, e realiza rastreios ao VIH e a outras IST. Foi a primeira UMR, em Portugal, a realizar testes a estas infeções, tendo como alvo as populações mais vulneráveis, como trabalhadorXs do sexo, sem-abrigo, migrantes, Homens que têm sexo com Homens e utilizadores de drogas.
Estamos a falar de pessoas que, "muitas vezes, não recorrem ao Serviço Nacional de Saúde" e, portanto, foi preciso criar "novas oportunidades de contacto", facilitando a "proximidade e acessibilidade" que a UMR permite, como diz ao Classificados X a presidente da LPCS, Maria Eugénia Saraiva.
A coordenadora da UMR e ela própria voluntária da LPCS salienta ainda que o projeto foi pioneiro no facto de realizar testes de rastreio "ao VIH e a outras IST", no sentido de diminuir o estigma associado ao VIH.
Depois dos resultados obtidos e apresentados pela UMR, abriu-se um concurso público para replicar as boas práticas desta iniciativa no contexto nacional.
Nessa altura, em 2014, a UMR passou, então, a ser apoiada pelo Ministério da Saúde, a par de outras unidades móveis pelo país, através do Programa Nacional para o VIH/SIDA.
Unidade Móvel de Rastreios tem médica e psicóloga clínica
A "Saúde + Perto" é constituída por uma médica que disponibiliza consultas semanalmente, por uma psicóloga clínica que presta informação pré-teste e aconselhamento pós-teste, por uma técnica de análises clínicas ou enfermeira, que realiza os rastreios às IST, e por um ou dois mediadores que conduzem igualmente a UMR.
Esta equipa multidisciplinar faz a diferença e os mediadores têm um papel muito importante, na medida em que são eles que "fazem com que as pessoas cheguem e entrem" na UMR, como conta ao Classificados X Maria Eugénia Saraiva, também coordenadora técnica do Programa "Saúde + Perto".
Estes mediadores vêm da própria comunidade onde a UMR atua e têm um papel "fundamental na aceitação" por parte das populações mais vulneráveis a contrair este tipo de infeções, destaca ainda Maria Eugénia Saraiva.
A responsável da LPCS salienta que nem sempre as comunidades estão recetivas à entrada da UMR e isto porque a viatura é associada a "doenças", a "infeções".
Por isso, realça a importância de "sensibilizar" as pessoas para a existência de uma resposta de saúde acessível e que seja uma “via verde” no que concerne à referenciação e ao tratamento.
"Via verde" no acesso ao SNS
Maria Eugénia Saraiva reforça a importância do diagnóstico precoce, sendo essencial que as pessoas saibam o mais rapidamente possível o seu estatuto serológico, para poderem ter acesso aos tratamentos e para que estes sejam eficazes.
Neste âmbito, a UMR também trata de encaminhar as pessoas com testes positivos ou reativos para os hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) na zona da Grande Lisboa.
A LPCS tem uma "via verde" com os hospitais, com os quais mantém protocolos, para agilizar o acesso das pessoas às consultas e aos tratamentos adequados.
A IPSS também acompanha a pessoa em todo este processo, desde a marcação da consulta até à fase de tratamento. "Monitorizamos, na medida do possível, a saúde deste utente" em todos os casos de infeções reativas e positivas, não apenas no VIH, sublinha Maria Eugénia Saraiva na conversa com o Classificados X.
Além do acompanhamento às consultas, a LPCS acompanha a pessoa no seu processo hospitalar, através dos apoios disponibilizados a nível social, jurídico, nutricional e psicológico, nos centros de atendimento e apoio integrado, com destaque para a entrega de medicação e outros bens de primeira necessidade, a adesão terapêutica e a carga viral indetetável.
Estes apoios contribuem para a qualidade de vida das pessoas que vivem com VIH (PVVIH) e outras IST e para a redução do "estigma e discriminação" que estão ainda associados à infeção.
Na "luta" para ter uma segunda UMR no terreno
A LPCS tem como principal objetivo para o ano de 2022, colocar em funcionamento uma segunda UMR.
Para tal, já conseguiu, através de um “mecenas”, adquirir uma viatura, mas continua a desenvolver esforços para a transformar numa unidade de saúde que possa acolher a equipa multidisciplinar e reúna todas as condições necessárias para realizar os rastreios, como sublinha Maria Eugénia Saraiva.
Paralelamente, a Instituição continua a sua intervenção com o objetivo de promover a educação para a saúde e a mudança de comportamentos, no sentido de diminuir os riscos associados, com enfoque nas populações mais vulneráveis a IST, como Xs trabalhadorXs do sexo.
Além de "reduzir crenças e preconceitos relacionados com estas infeções", a missão passa também por dar "apoio social e psicológico" para "contribuir para a reconstrução de projetos de vida" e para criar "uma dinâmica de empoderamento" das pessoas, conforme nota a presidente da LPCS.
"Tuberculose é um problema de saúde pública"
Ao longo dos seus 30 anos de existência, a LPCS foi-se adaptando aos tempos, conforme as necessidades e a realidade específica das PVVIH, afetadas e preocupadas com as IST, para contribuir para a melhoria da saúde pública.
É, nesse sentido, que a Tuberculose se assume, atualmente, como um dos grandes desafios de Saúde Pública, e de relevo para a LPCS, tendo em conta os números desta doença infeciosa serem motivo de preocupação, sobretudo na zona da Grande Lisboa, com enfoque nos concelhos de Lisboa, Loures e Odivelas.
“A Tuberculose é uma doença transmissível por via respiratória que afeta sobretudo os pulmões. Costuma ser percecionada como uma doença que pertence ao passado e, tal como o VIH, era igualmente objeto de grande discriminação", como sublinha Maria Eugénia Saraiva.
De resto, a Tuberculose é uma doença de notificação obrigatória, o que significa que os casos positivos têm sempre de ser comunicados à Autoridade de Saúde.
“Os números mostram que a Tuberculose, neste momento, é um problema de saúde pública que tem de ser igualmente combatido", destaca Maria Eugénia Saraiva.
A presidente da LPCS realça ainda ao Classificados X que, por vezes, a Tuberculose surge "associada a outras infeções" que podem afetar mais as populações vulneráveis, como trabalhadorXs do sexo e Homens que têm sexo com Homens.
Além disso, "grandes pandemias", como a que vivemos por causa da covid-19, promovem "problemas socioeconómicos e financeiros que levam a uma maior vulnerabilidade a contrair infeções e doenças", reitera ainda a presidente da LPCS.
"Não nos podemos focar apenas no VIH", uma vez que a "conjugação com outras infeções" pode potenciar comorbilidades e reinfeções”, acrescenta esta responsável.
Dos rastreios ao VIH aos testes à covid-19
Durante o pico da pandemia que colocou o país de quarentena, a LPCS manteve-se no terreno com a UMR, "com o máximo de valências possíveis" disponíveis para todos, como realça Maria Eugénia Saraiva.
Neste período, a "Linha SOS SIDA foi fundamental", aponta a responsável da LPCS, salientando que funcionou em "horário alargado" e a "abranger Portugal inteiro".
E a UMR alargou o seu âmbito de atuação aos testes à covid-19, uma forma de responder às necessidades da população, mas também de “atrair” pessoas para os rastreios às IST.
Assim, a intervenção da LPCS tem passado por “disponibilizar sessões de rastreio que incluem não só o teste ao VIH, às Hepatites Virais e outras IST, mas igualmente à covid-19, e quando possível outros testes, como por exemplo o teste de gravidez", afirma Maria Eugénia Saraiva.
Uma estratégia que permite às pessoas confrontarem-se com os seus medos, receios e crenças associados ao VIH, tendo em conta que verbalizam terem receio de serem julgadas quando se dirigem à UMR. Desta forma, podem sempre dizer que foram fazer o teste à covid-19, nota a dirigente da Liga.
Maria Eugénia Saraiva lamenta que ainda exista um número significativo de pessoas que demonstram ter vergonha de dirigir-se à UMR "porque diz SIDA", uma vez que a doença está associada a "comportamentos sexuais" e ainda se acredita que só afeta "grupos de risco", conduzindo à auto discriminação.
"Essas crenças têm de ser desconstruídas e desmistificadas", diz a presidente da LPCS, notando que "todos nós podemos ser infetados com o VIH se não nos protegermos".
Contra a Mutilação Genital Feminina. A favor dos Direitos Humanos
Além de todo o trabalho já assinalado, a Liga Portuguesa contra a SIDA também iniciou um projeto para atuar ao nível das práticas e consequências nefastas associadas à mutilação genital feminina, promovendo a igualdade de género e os direitos das meninas e mulheres.
A IPSS assinou um protocolo com a Comissão para a Igualdade de Género para promover a saúde sexual e o bem-estar físico e emocional das meninas e mulheres.
Por outro lado, a LPCS mantém no terreno o Interliga-te através da “Saúde em Rede”. É um projeto inovador que visa a deteção precoce e o apoio ao tratamento da infeção por VIH, Hepatites Virais, Sífilis e outras IST.
Este projeto, recentemente premiado, tem como objetivo principal a ligação entre os Cuidados de Saúde Primários e a LPCS, através de um Gestor de Caso/Utente. Realiza rastreios a IST, disponibilizando apoio social, psicológico e nutricional e ações de sensibilização e de (in)formação.
Todos estes projetos e respostas da LPCS procuram contribuir para as metas da UNAIDS - o programa das Nações Unidas contra o VIH/SIDA - e a iniciativa mundial das "Fast Track Cities", que tem como objetivo que, em 2030, haja 95% de pessoas diagnosticadas, 95% de pessoas diagnosticadas em tratamento e 95% de pessoas com carga viral indetetável.
Mas a missão da LPCS não se limita a contribuir para a erradicação do VIH, mas igualmente das Hepatites Virais, entre outras IST, e da Tuberculose, como repara Maria Eugénia Saraiva.
Assim, a presidente da LPCS destaca com satisfação que "este ano, pela primeira vez, temos um Programa Nacional para o VIH que abrange outras IST, temos um Programa Nacional para as Hepatites Virais e temos um Programa Nacional para a Tuberculose", o que reflete o reconhecimento oficial da emergência de se combaterem estas infeções em simultâneo e de forma diferenciada, criando ações adaptadas a cada uma.
Contactos da Liga Portuguesa Contra a SIDA
+ Sede: Praça Carlos Fabião Loja 3 A 1600-316 Lisboa
+ Telf.: 213479376 / 911500072/74
+ Linha SOS Sida - 800 20 10 40 (Número Verde)
+ https://linktr.ee/ligacontrasida
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Especial Associações - Anda conhecer melhor quem apoia trabalhadorxs do sexo:
Gina Maria
Jornalista de formação e escritora por paixão, escreve sobre sexualidade, Trabalho Sexual e questões ligadas à realidade de profissionais do sexo.
"Uma pessoa só tem o direito de olhar outra de cima para baixo para a ajudar a levantar-se." [versão de citação de Gabriel García Márquez]
+ ginamariaxxx@gmail.com (vendas e propostas sexuais dispensam-se, por favor! Opiniões, críticas construtivas e sugestões são sempre bem-vindas)