21 Januar, 2019 O que queres?
Naquela vila toda a gente se conhecia...
Entende-se por alma gémea a nossa outra metade, a nossa cara metade. Esta designação foi feita por Platão, o filósofo que postulou a hipótese de, num tempo original, sermos todos como esferas, com quatro braços, quatro pernas, dois rostos, dois troncos... e uma só alma. Ao acharem-se superiores por serem um todo tão harmonioso, os homens desafiaram os deuses, que prontamente os castigaram dividindo-os ao meio. Reza a lenda que, desde então, todos nós vivemos à procura da pessoa que, no início dos tempos, era a outra metade de nós.
PARTE I
Estamos a meio do mês de Setembro e eu recebo um novo pedido de amizade no Facebook.
"Uuuuh! Um pedido novo, quem será desta vez?", penso ao abrir a aplicação.
Ao ver de quem era o pedido, paralizei. Não acredito. Depois de anos sem saber nada sobre ele, aqui está ele. Ele, Pedro Reis numa fotografia todo sorridente e careca. Como o tempo passa.
"Já temos a nossa idade não é seu velho?", pergunto à fotografia do Pedro.
Ainda não consigo acreditar. Estou incrédula.
A minha história com o Pedro começou na vila onde nascemos. Uma pequena vila no norte. A nossa relação começou no secundário e depois prolongou-se durante seis longos anos de discórdias, mas no fundo nós gostávamos um do outro.
Naquela vila toda a gente se conhecia porque havia poucos habitantes. A minha mãe quando descobriu que eu estava a namorar com o filho da Gertrudes, uma velha amiga da minha mãe, disse-me logo para acabar com aquilo. Ela não autorizava tal coisa. Eu não quis saber. Eu, Maria das Dores, arranjei um saco, meti alguns farrapos lá para dentro e fui ter com o Pedro. Ele nesta altura já estava na tropa.
- O que estás tu aqui a fazer? - primeira coisa que me diz ao ver-me à sua porta de casa.
Fiquei parva, como tantas outras vezes, com a sua resposta. Não era a primeira vez que ele me dizia algo que eu não queria ou pensava ouvir.
- Chateei-me com a minha mãe e pensei vir morar contigo.
- Nem penses Maria! Mas estás bem da cabeça? Se a tua mãe sabe que tu fizeste essa mala e vieste para aqui, ainda me vem matar! Pára sossegada Maria e volta para casa. Amanhã nós encontramo-nos no sítio e à hora do costume.
Deu-me um beijo ao de leve na testa e fechou-me a porta de casa na cara.
Como eu fiquei petrificada.
"Mas?.. Afinal?!" , não conseguia entender bem o que se tinha passado ali.
Voltei novamente para casa. Subi pela oliveira para chegar à janela do meu quarto. Desfiz a mala, vesti o pijama, meti-me na cama e depois desfiz-me em lágrimas. Lágrimas essas de solidão, de incompreensão.
No dia seguinte fui ter com ele como era costume. Mas ele não estava lá. Esperei dez, vinte, trinta minutos até que fui ter com a prima dele que trabalhava numa pequena mercearia.
- Sabes do Pedro, Joana? - digo-lhe assim que entro no estabelecimento.
- Olá para ti também Maria. Estás boa?
- Sabes do teu primo?
- Então foi apanhar o comboio para ir para o Alentejo. Ele não te disse?
Acabada de ouvir aquelas palavras corri. Corri o máximo que pude para ainda o conseguir ver.
- PEDRO!
Grito ao vê-lo no cimo da escadaria que dava acesso às linhas do comboio. Ele olha por cima do ombro e diz:
- Vai para casa Maria.
- MAS?!
Ali fiquei, há trinta anos atrás, no fundo daquela escadaria com o coração nas mãos. Sem uma desculpa, sem uma justificação... Ele deixou-me assim. Não soube o porquê de ele ter agido assim.
Passei semanas, meses a chorar enquanto relia as suas cartas e via as fotografias que ele me tinha dado. Guardei-as tão bem que ainda hoje as tenho.
PARTE II
As almas gémeas não têm que ficar obrigatoriamente juntas, para sempre. Por vezes, devido a outras forças que vão perante as nossas próprias vontades e desejos, temos de ser fortes e deixar a nossa alma gémea partir. Deixá-la partir para encontrar a alma que lhe pertence.
Trinta anos se passaram, sem qualquer contacto por qualquer das partes. Até agora. O Pedro enviou-me um pedido de amizade e eu fiquei confusa. Não sabia se haveria de aceitar ou não. Passaram-se semanas até que finalmente, numa quarta-feira chuvosa o adicionei.
Segundos. Apenas foram breves segundos até que plim! Mensagem:
"Olá Maria das Dores. Como estás? Fazia tempo que não nos víamos!"
O meu coração dispara. Não sei o que pensar, o que fazer, mais simples ainda: não sei o que responder. Deixo a mensagem a marinar durante o resto da noite. Fui dormir, tentar colocar as ideias em ordem.
De manhã pego no telemóvel e tenho uma mensagem do Pedro:
"Bom dia, Maria das Dores. Posso ter o prazer de convidar uma velha amiga para um café?"
Ao ler a mensagem o meu coração disparou novamente.
"Isto deve fazer muito bem à minha tensão arterial. Estúpido do homem, aparecer trinta anos depois. O que pensa ele?", remoía na minha mente isto e muito mais.
Fui trabalhar, mas durante a pausa do café da manhã respondi à sua mensagem:
"Olá forasteiro. O que é feito de si? Sim, podemos ir beber café. Quando e a onde?"
Rapidamente me responde:
"O mais rápido possível."
Fico de boca aberta ao ler tal mensagem. Não sei o que esperar. Será que ele continua igual mesmo passados trinta anos? Tudo bem, que cada um seguiu o seu caminho. Eu, por exemplo, deixei-me cair no encanto de um tonto que me deu uma filha com um feitio do demónio. Mas com o Pedro e depois com o tonto do pai da minha filha, aprendi que mais vale estar sozinha do que mal acompanhada. O Pedro na altura destroçou-me o coração e o pai da minha filha destruiu o que restava dele.
Combinei o café mesmo para aquele dia. Queria tanto vê-lo, como não queria. Tinha o meu estômago feito num oito.
- "Isso são borboletas miga!", dizia-me a Neuza entre risos.
Que piada que a minha colega Neuza tinha.
O café com o Pedro não foi nada como eu imaginei. Recordámos momentos, sem nunca tocar no que aconteceu na estação de comboios. Falámos sobre a nossa vida pessoal. Ele ainda casado mas infeliz, com três filhos e uma mulher insuportável com um atrelado chamado sogra.
- "Ver a tua fotografia no Facebook foi uma lufada de ar fresco. Resolvi entrar em contacto contigo e voltar a tentar. Voltarmos a sermos o que eramos trinta anos atrás. Por favor Maria.", diz enquanto me pega nas mãos.
Não sei como encarar tal afirmação. Fiquei meio sem jeito. Dizer-me tal coisa. Nunca pensei.
- "Não sei Pedro. O nosso tempo, a nossa altura já foi há muito tempo. Podemos ficar amigos, mas mais que isso... duvido"
- "Vou lutar por ti como não fiz anteriormente."
- "Estarei cá para ver isso", respondi-lhe entre risos.
Verdade seja dita, que ele demonstrou-me mesmo que não me queria deixar como fez anos atrás.
Nas semanas que se passaram fomos tomando café juntos, quase todas as noites. Tínhamos longas conversas. Até que chega uma noite em que o Pedro me questiona se eu quero ir passar uma semana com ele a Veneza. Ele sabia que nunca tinha lá ido, pois dediquei-me à minha filha depois de me divorciar.
- "Pedro! Tens a certeza?! Não quero que é muito dinheiro."
- "Maria, por favor. Quero-te comigo."
Nessa mesma noite passamos a primeira noite juntos. A primeira noite desde sempre. Dormir nos seus braços pela primeira vez foi tão bom, tão reconfortante, tão seguro. O sexo foi meigo e carinhoso. Há anos que não me tocavam. Que orgasmos! E que apetite que ele me abriu. Mas por pouco...
Meses depois, muito depois da nossa ida a Veneza descubro que o Pedro anda a falar com a ex-mulher não por causa dos filhos em comum mas sim encontros intimos.
Já temos uma certa idade, e tempo é coisa que escasseia e eu não quero desperdiçar com qualquer um.
Numa manhã, depois de dormir uma última noite com o Pedro, olho para ele a dormir profundamente e penso:
- "Eles bem dizem para não deixares uma chama queimar-te duas vezes. Quando vais aprender Maria das Dores?"
Deixei-lhe apenas um bilhete a dizer simplemente:
"Foi bom enquanto durou querido."
Alexa
Uma mulher com imaginação para dar e vender.
Sempre gostei de escrever, mas coisas eróticas... isso gosto mais. Levar um homem à loucura através de palavras e da sua própria imaginação. Como adoro...