24 Oktober, 2019 A estátua
A obra-prima do homem era uma mulher. A estátua de um corpo feminino, inteiramente nu...
O homem era um renomado artista. Onde metia as mãos, as coisas ganhavam vida. Os seus materiais de excelência eram a madeira e a pedra, mas não desdenhava o bronze, o barro ou o vidro. Era escultor e não havia nada que o seu talento não conseguisse produzir.
A obra-prima do homem era uma mulher. Mais concretamente, a estátua de um corpo feminino, inteiramente nu, esculpido todo em pedra mármore e estacionado no centro da sala onde recebia as visitas importantes. Não lhe dera nome, chamava-lhe apenas “a minha mulher”, e quando o dizia ninguém ficava indiferente à força que punha na palavra “minha”, lendo-se nela, transparente, o orgulho do criador e a honra do proprietário. Não era para menos: era uma peça realmente fabulosa, capaz de acordar desejos e inspirar fantasias a quem quer que a olhasse!
Certa vez, um crítico abismado que se demorava na sala, incapaz de parar de olhar para aquela nudez contagiante, disse ao homem:
– Você não é um artista, é um feiticeiro! Um cupido de asas negras!
O homem sorriu para dentro, sem mistério, porque compreendeu o que ele queria dizer.
– Quer um conselho?
o crítico suava abundantemente e limpava a testa com um lenço.
O homem não queria nenhum conselho, mas o crítico deu-lho na mesma.
– Ponha um pano negro sobre este corpo, tranque as portas desta sala e esqueça-se que ela alguma vez existiu!
Quando disse “ela” referia-se à mulher nua.
– Ora essa, e porquê? – interrogou o homem. – Já viu que toda a gente a adora. Até o senhor.
– É verdade, adoro-a. Mas desgraçou-me a vida! Tenho mulher e filhos em casa, à minha espera. Não sei se alguma vez os voltarei a ver… Apetece-me morrer aqui, diante dela, para que ela saiba o mal que me fez. Morrer de amor, para a ferir de morte!
O crítico tinha uma propensão particular para o dramatismo.
– Mas, meu caro, é apenas uma estátua, um bloco de pedra esculpido e inerte...
– Pois este pedaço de pedra inerte é o corpo mais vivo que alguma vez vi! Já “olhei” para muitas mulheres despidas, mas aquilo que sinto é que pela primeira vez estou a “ver” uma mulher nua!
Era apenas uma das estranhas impressões que a estátua produzia naqueles que a viam. Por alguma razão o homem era um renomado artista…
Certas escolas de pensamento defendem que a perfeição não existe porque nada no universo é verdadeiramente simétrico. O homem achava precisamente o contrário, que o que tornava a sua estátua perfeita era o realismo das suas imperfeições. Das suas assimetrias.
A estátua era duma mulher de cabelos curtos e de formas díspares. Tinha um seio maior que o outro, como o têm todas as mulheres. A metade direita da cara era ligeiramente diferente da metade esquerda, como o são todas as pessoas. E, principalmente, não estava em pose de estátua. Não era uma Vénus de Milo. Passava perfeitamente por uma Mariana de Telheiras ou uma Rita de Alcabideche. Esse era o seu poder: não pretendia retractar uma criatura distante, intangível, mítica, mas uma mulher do mundo, de cada dia, o véu levantado sobre a vizinha da porta ao lado que todos desejamos surpreender sem roupa.
A sua posição, com as pernas separadas e ligeiramente flectidas, transmitia sensações de erotismo que transcendiam a mera fantasia. Como se o sonho que convocasse fosse real.
Consciente da força que emitia e da loucura que inspirava, o homem foi ganhando cada vez mais cuidados acerca das pessoas que levava à sua presença. Até que um dia, pura e simplesmente isolou totalmente a estátua aos olhos do mundo. A todos, menos aos dele próprio. Paradoxalmente, foi quando enfim se tornou um mito para o público, que duvidava já da existência de tal obra, que ao seu criador começou a parecer mais viva.
Como antes tinha acontecido aos seus visitantes, o homem apaixonou-se por ela e teve vontade de morrer por ela. E não muito depois, sentiu o desejo absurdo de se consumar nela, de fazer amor com ela!
Então, porque afinal era um escultor renomado, tratou do assunto pelas próprias mãos. Com muito cuidado e delicadeza, na parte interior das pernas flectidas, de uma forma que resultasse invisível ao ângulo normal de um espectador, esculpiu uma entrada, um buraco de cerca de 15 centímetros. Uma vagina que só ele sabia existir. E nessa mesma madrugada, depois de limar bem todas as arestas do seu trabalho, fodeu-a naquela cona de pedra e veio-se dentro dela até ela escorrer a sua esporra pelas pernas abaixo!
Durante os meses seguintes, o homem viveu no transe de um amante apaixonado. Comprava jóias à “sua mulher”, perfumes, casacos de pele, a lingerie mais ousada das lojas da especialidade…
A imprensa cor-de-rosa, atenta a todas as suas movimentações e sabendo-o celibatário, topou estes empreendimentos e desatou a inventar-lhe parceiras secretas. Quem seria a misteriosa dama que por fim derretera o coração de pedra do renomado escultor? Aceitavam-se apostas, ao mesmo tempo que se publicavam mentiras.
Alheio a tudo o que se dizia lá fora, o homem experimentava em casa uma felicidade que nunca antes tinha sentido. E todas as noites, depois de a presentear, de a adornar, de lhe dizer juras ao ouvido, de a tocar com o corpo febril de um adolescente, fodia a sua amada com ardor, derramando no seu ventre estéril a prolífica semente da sua paixão.
Tudo correu sem outros sobressaltos que o próprio sobressalto dessa paixão, até ao dia da catástrofe…
O homem estava no seu estúdio, a tentar trabalhar em algo novo e a falhar consistentemente, como todos os dias desde que descobrira o amor, quando um estrondo enorme lhe soou desde a sala das visitas importantes. Correu enlouquecido e entrou na sala como o bombeiro que entra num edifício em chamas para salvar uma criança. Caiu logo de joelhos, com o coração estalado e o sangue petrificado nas veias. A estátua, a sua mais que tudo, estava estatelada no chão, quebrada em partes, com os olhos e a boca da cabeça separada entreabertas em desesperante sofrimento!
Perto do desastre, a empregada da limpeza que o homem contratava três vezes por semana, contemplava a cena com não menos desespero.
– O que é que fizeste, maldita?!
– Foi… Foi sem querer, senhor… Juro que foi sem querer…!
– Madita! Maldita!!
Assaltado por uma estranha força vingativa, o homem levantou-se como uma tempestade e agarrou o pescoço da empregada. As suas mãos, habituadas a dar vida, congeminavam a morte da herege que acabara de destruir a sua vida, a sua felicidade, o único amor que alguma vez tivera!
– Morre, maldita! Morre!!
Largou-a no limite, voltando à posição de conforto dos sofredores, de joelhos, evadido de todas as esperanças, entregue ao choro compulsivo dos que tudo acabaram de perder...
Eventualmente, o transe, o esforço, a dor da dor, adormeceu-o com aquele sono dos náufragos. Quando acordou, não sabia quanto tempo depois, ainda tinha os olhos desfocados do sal das lágrimas.
Por isso não percebeu exactamente os contornos da presença que via à sua frente. Esfregou os olhos com as duas mãos e voltou a abri-los, agora com um arrepio que o trespassou desde os cabelos da nuca até à barriga das pernas! No lugar da sua estátua estava uma outra absolutamente idêntica, já não de pedra, mas de carne e osso!
Tinha os cabelos curtos, as duas faces da cara ligeiramente assimétricas, um seio que pendia maior do que o outro, e flectia as pernas como se tivesse sido petrificada, imortalizada, no movimento para se pôr de cócoras!
O homem levantou-se e teve que beliscar-se para garantir que não estava a sonhar. Depois percebeu que não queria saber se aquilo era real ou não! Subiu para o pedestal e chegou-se muito a ela. Ao contrário da sua antecessora, a estátua emitia um calor pulsante, orgânico. O homem tremeu quando lhe apalpou um seio e imediatamente o mamilo inchou.
Tocou-a ao longo de todo o corpo, nas costas, na barriga, nas laterais, nas pernas, nas nádegas... Aproximou-se enfim da entrada entre as suas pernas, passou ao de leve a mão pelos pêlos suaves, depois pela fenda abaixo, e descobriu uma cona tenra, exalando vapores quentes e perfumes vivos, salteada com uma gelatina morna que lhe ficou pegada aos dedos.
Então ouviu algo que o baralhou ainda mais: um pequeno suspiro, quase um gemido, que vinha do centro daquele corpo inerte!
O homem sentiu uma torrente de calor atravessá-lo, um calor que lhe explodiu no caralho e o fez sentir-se duro como um bloco de mármore. Baixou as calças e as cuecas com urgência, agarrou-a com muita força pelas nádegas, e penetrou-a!
A estátua gemeu, agora sim, com toda a eloquência dos bichos penetrados e, fazendo os possíveis para não se mexer, para não quebrar o feitiço, recebeu aquele caralho grande e duro como uma boca ávida. Sentia as pernas a tremer, o cheiro dos sexos a levantar-se pelas galerias e não conseguiu evitar deixar descair a cabeça para trás, tornando-se enfim uma estátua viva, abandonada de prazer…
O homem, inconsciente do momento mas desperto para ele, fez então o que nunca tinha feito: tirou-se dela, virou-a de costas e meteu-lho por trás. Desta forma podia agarrar-lhe nas mamas estranhamente moles, com as pontas duras e inchadas. Bombou assim dentro dela até que, como se o mármore se fizesse cera, ela começou a dobrar-se. Arfavam ambos e ela sentiu o orgasmo chegar, o dela e o dele.
E com uma voz rouca de tesão, que mal tinha força para se fazer ouvir, a estátua derreteu o resto da fantasia, do sonho, da ilusão, dando ao momento a cor de uma realidade em que o homem nunca se atrevera a acreditar. Disse:
– Podes fazer comigo o que nunca pudeste fazer com ela!
Terminou a frase, ergueu a espinha e nesse movimento fez o caralho desalojar-se-lhe da cona. Então pegou nele, voltou a dobrar-se e apontou-o ao buraco do cu, um cu verdadeiro com suficiente flexibilidade para receber qualquer caralho.
– Fode-me aqui! – gemeu ela.
E o homem que, por razões de elasticidade nunca pudera fazer aquilo com a sua própria estátua, espetou-se naquele cu que se abria ágil à passagem do seu caralho!
Enrabou-a durante um bocado que fez os possíveis para retardar, até que não conseguiu aguentar mais: esporrou-se com um uivo no cu dela!
Só muito mais tarde, depois de se vir nela outra vez, quando o fumo de um cigarro o ajudou a recuperar a consciência, o homem percebeu que a cena amorosa que acabara de experienciar ocorrera entre as partes quebradas da sua estátua original.
Observou-as sem interesse ou emoção, como estilhaços de uma vida passada que já não lhe dizia respeito. E finalmente dirigiu a palavra à sua companheira de circunstância.
– Como te chamas?
– Natália.
– Há quanto tempo trabalhas para mim?
– Há quatro anos, senhor.
– Chama-me Carlos. Vens o quê, duas vezes por semana?
– Três.
– Bem, não te preocupes com a estátua. Era só… uma “coisa”.
– Sim, senhor.
– Chama-me Carlos.
O homem deu uma baforada no cigarro,
– Podes vir todos os dias?
Ela tirou-lhe o cigarro da mão.
– Com certeza, senhor.
Armando Sarilhos
Armando Sarilhos
O cérebro é o órgão sexual mais poderoso do ser humano. É nele que tudo começa: os nossos desejos, as nossas fantasias, os nossos devaneios. Por isso me atiro às histórias como me atiro ao sexo: de cabeça.
Na escrita é a mente que viaja, mas a resposta física é real. Assim como no sexo, tudo é animal, mas com ciência. Aqui só com palavras. Mas com a mesma tesão.
Críticas, sugestões para contos ou outras, contactar: armando.sarilhos.xx@gmail.com