26 janvier, 2023 Por quê tanto ódio?
Estão a aumentar os discursos de ódio contra criadoras de conteúdo adulto na Internet...
Com a popularização de apps para troca de mensagens como o WhatsApp e o Telegram, cada vez mais aparecem grupos para partilha de conteúdos vindos do OnlyFans e plataformas similares, bem como conteúdos adquiridos diretamente com as criadoras de conteúdo adulto.
Para além disto, ainda há, nestes grupos, quem partilhe fotos e vídeos explícitos de mulheres “comuns” e, até mesmo, de blogueiras e outras criadoras de conteúdos para redes sociais, a ponto de divulgarem seus nomes e onde trabalham, pelo puro prazer de expor estas mulheres.
Se já não bastasse os crimes cometidos pela partilha de conteúdo não consentido e com copyright, que são puníveis pelas leis portuguesas, alguns destes grupos ainda são um antro de misoginia e discursos de ódio voltados à criadoras de conteúdo adulto.
Nem consigo mencionar aqui os comentários que muitas vezes aparecem nesses grupos, mas vão desde a dizerem que nós temos de foder-nos a até a incitar à violência, e vários outros tipos de crime.
Ao mesmo tempo que os discursos de ódio contra criadoras de conteúdo adulto aumentam cada vez mais na internet, também crescem movimentos de homens como INCELS e MGTOW, que, em geral, são compostos por homens que nutrem um ódio profundo contra mulheres. São, geralmente, motivados pelas próprias frustrações, por não conseguirem parceiras, por serem constantemente rejeitados, por já terem sido traídos, etc. Ou seja, homens que deveriam ter ido fazer terapia para resolverem as suas questões pessoais, mas ao invés disso, criaram uma rede de apoio misógina.
A questão toda por trás do ódio contra as criadoras de conteúdo adulto não é somente o machismo, a misoginia ou acharem que têm direito sobre nossos corpos. Há também a questão de que desde que a Internet se popularizou, o acesso à pornografia de forma fácil e gratuita também ganhou força.
Portanto, creio que a partir do momento que plataformas como o OnlyFans e criadoras de conteúdo adulto independente passaram a cobrar pelos conteúdos que produzem, isso criou um sentimento de que algo violava o que muitos acreditavam ser um direito: a gratuidade da pornografia.
Se voltarmos no tempo, para o final dos anos 90 e começo dos anos 2000, antes da internet ser totalmente popularizada, as únicas formas possíveis de ter acesso à pornografia era através das revistas, VHS e DVDs que, para serem adquiridos, era necessário ir a uma banca de jornais ou a uma "locadora". Este ato era, algumas vezes, acompanhado de algum constrangimento e sempre de um valor monetário.
Para driblar isso, revistas, VHS e DVDs eram emprestados ou trocados, para não falar na pirataria, que fazia com que os preços destes produtos fossem mais baratos, mas de procedência duvidosa.
Com o avanço da internet, aumentou a facilidade, acabou o constrangimento e qualquer pessoa passou a conseguir ter acesso a fotos e vídeos adultos com facilidade, de forma gratuita e na palma da mão - pagar tornou-se opcional.
Chegamos ao século XXI e, com ele, plataformas para venda e assinatura de absolutamente todo o tipo de conteúdo digital: livros, música, filmes, séries e, claro, pornografia. Os preços que antes eram mais altos, também reduziram, devido à facilidade, oferta e procura.
Acostumamo-nos a pagar por todo o tipo de serviços por assinatura, ainda que algumas pessoas prefiram aceder a estes serviços de forma ilícita, seja por escolha ou porque não têm condições financeiras.
Entretanto, quando se trata de pornografia, ainda existem pessoas de mentalidade tacanha, que acreditam que ela deve ser gratuita e condenam todos aqueles que a vendem. Porém, são os mesmos que fazem ofertas diárias à criadoras de conteúdo adulto para estarem com elas, mesmo que, em sua maioria, elas não façam qualquer tipo de encontro.
E quando questionados do porquê de não procurarem acompanhantes, dizem que não tem a mesma piada. Isto sem falar na quantidade de ofensas que, muitas vezes, recebemos quando recusamos as propostas.
É um contrassenso!
Se não quiser pagar por conteúdo adulto, aceda aos sites já conhecidos, onde há vídeos de todos os tipos, profissionais e caseiros, produzidos por produtoras ou criadores independentes verificados, mas não endosse e nem faça parte de grupos onde conteúdos não autorizados são partilhados.
Conforme mencionei acima, existem leis que punem com multa e/ou prisão quem partilha conteúdo não autorizado ou que viola direitos de autor - copyright.
Direcionar ódio às criadoras de conteúdo adulto, apenas porque não podem ter acesso de graça ao que elas produzem, de nada adianta. São mulheres que estão a usar das suas liberdades e direitos sobre o próprio corpo, que, por escolha própria, o utilizam para produzir os seus conteúdos, ganhar dinheiro e sobreviver.
E ainda, dizer que este ódio é porque elas estão a explorar homens, sinto informar, mas nenhuma delas está a obrigar ninguém a comprar os seus conteúdos! Da mesma forma que nenhum casino obriga alguém a entrar e a jogar - quem o faz é por livre escolha e ninguém, depois, vai às portas fazer protestos ou a tentar jogar de borla.
A responsabilidade de gerir as suas finanças e saber como e com o que vai gastar dinheiro, cabe a quem compra, não a quem vende.
Se quer direcionar ódio, direcione a quem trafica mulheres para exploração sexual, a grandes corporações que faturam milhões às custas de mão de obra barata, aos serviços de streaming que não oferecem conteúdo gratuito, às redes sociais que usam seus dados e históricos de pesquisa para direcionar anúncios e faturam com cada clique seu, a grandes artistas que cobram um valor absurdo em bilhetes de concertos.
Antes de direcionar ódio a algo ou alguém, pare e pense se faz sentido. Ódio gratuito não leva a nada e, quando é gratuito, o que está por trás é o PRECONCEITO, em seu estado mais puro, nu e cru.
- Foto de Sora Shimazaki / Pexels
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Suzana F.
Suzana F. é mente aberta, observadora e crítica por natureza. Apaixonada por literatura, ama ler e escrever sobre sexo.