24 janvier, 2019 Lisboa fora de horas
Ela chama-se Juliana, é brasileira e custa cem euros...
Quinta cerveja. Ela chama-se Juliana, é brasileira e custa cem euros. Pela primeira vez na noite decidiu sentar-se. Naquela zona, perto do balcão, fica exposta a pelo menos cinquenta pares de olhos. Não é que nas outras zonas isso não aconteça mas, pelo que percebi, poucas se aventuram naquele beco sem saída onde marinam os desesperados, os alcoólicos, os tesos ou os simplesmente desinteressados.
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Eu estou a beber, não me sinto confortável e preciso de respirar. Por isso, fumo um cigarro atrás do outro.
Digo-lhe imediatamente que não tenho esse dinheiro e que me parece difícil alguma vez pagar. Nunca paguei para estar com uma mulher, porque... Mas então percebo que deixei de saber a razão. Nem sequer completo a frase. Afinal, o que é que acho difícil pagar? Uma puta? Uma hora? A humilhação machista do “ter que pagar”? Olho para os olhos de Juliana. Até a olhar directamente nos olhos ela era apenas uma entre tantas outras Julianas que habitam a noite e os seus lugares lânguidos de engate. Mas assim, passa a ser a minha Juliana particular. E não consigo deixar de sentir por ela algo que imediatamente se contagia por todas as outras: admiração pela coragem, reconhecimento do brio, um respeito sem fim.
Digo-lhe que estou ali pela experiência, que procuro sobretudo “a história”, que é o culminar de uma deambulação exploratória da “lama”. São cinco da manhã.
Ela sorri-me com uma verdade que me parece imensamente maior que a minha. Chega a parecer-me triste. Cansada não, garante. E eu sinto-me completamente desmascarado. Mas continuo a não ter o dinheiro.
Uma hora antes, quando encostou as nádegas e as ajeitou com uma precisão de relojoeiro à minha cintura, roçando uma dança ensaiada de costas longas e ventre inteiro, confesso que não fiquei impressionado. Lembro-me que me ocorreu a ideia: és tão bonita que nem me dás tusa!
Sentados ao balcão tudo muda. Ela torna-se tangível, há qualquer coisa de real que antes não se via.
Diz-me, pela terceira vez, que adora homens de barba, que a minha barba é linda. Não tenho o dinheiro e por isso tendo a matar a conversa. Lembro-a que está a trabalhar. Sou eu que digo:
– Já deves ter percebido... Comigo não fazes a noite.
Vêm homens falar com ela. Ela sorri sempre, conversa. Mas fica. Eu gasto as senhas da cerveja, observo o redor. Uma negra fabulosa, um pouco mais negra que Juliana, sorri-me um olhar de 500 euros. Sinto, aos poucos, que o ambiente me controla.
Juliana tem um sorriso admirável, daqueles que um escritor descreveria como de marfim. Ébano e marfim. Um daqueles contrastes que nos fazem acreditar num sentido oculto do universo. Quando fala, os olhos dela ocupam-se totalmente dos meus. Não consigo evitar uma crescente vontade de estar perto dela. E, curioso, apesar de começar a sentir desejo, não tenho necessidade de observar ao pormenor os seus outros atributos físicos. Uma rápida passagem pelo seu decote apenas me confirma a sua juventude. Mais nada.
Falamos disto e daquilo. Demora-se. Demoramo-nos... Acabo por dizer:
– Sabes, há bocado, se eu tivesse dinheiro, já não estavas aqui. Aliás, acho incrível como é que ainda estás aqui. Por mim, eras a primeira a sair.
Não sei explicar o olhar de Juliana. A cor dos olhos muda a cor dos olhos. Confiamos cegamente nos olhos e eles parece que... Sinto-me atrapalhado e heróico ao mesmo tempo.
– Sabes, acho que se tivesse que foder alguém agora, já não podias ser tu...
Não sei explicar o olhar de Juliana. Parece triste. Cansada não, garante. Levanta-se:
– Vou ali falar com um amigo...
Sétima cerveja. Que horas são? Não interessa. Estou a vestir o casaco. O meu amigo, que me levou ali e pagou a minha entrada, está a desistir duma loira pequena – ele dá para as petit – que leva cento e cinquenta e não faz anal. De qualquer maneira, diz ele, acha que não está inspirado.
Não sei porquê, dou uma última vista de olhos ao lugar. Sei o que procuro. Tenho tabaco e decido comprar mais. Mas não compro. Não sei de onde surge aquela mão, só sei de quem é.
– Vem comigo!
Tenho tempo de sorrir ao meu amigo, que é meu amigo e me sorri de volta.
Não sei explicar o olhar de Juliana. A cor dos olhos muda a cor dos olhos, é a única coisa que sei.
Pergunto-lhe, no táxi, se sabe o que diz o diabo ao taxista, sabendo que não pode saber, porque a piada é minha.
– Leve-me por maus caminhos!
Ela ri tão deliciosamente, viciosamente, tão cúmplice, que quase lhe salto para cima no táxi em andamento. É quando o taxista percebe a piada e diz, lacónico:
– Vou anotar essa.
Não me lembro do quarto. Lembro-me dos olhos. Não nos despimos, arrancamos a roupa um ao outro.
Mas esse primeiro instantâneo animal não tem sequência. O recontro, uma vez consumado, dá lugar à fotografia bucólica de um par de corpos estranhos que se deita lado a lado numa cama serena.
Estamos nus, magros, suados dos poros e dos espaços lotados – não tomámos duche. Gosto do cheiro do corpo que o detergente mata. Gosto do cheiro gasto da noite. Gosto do cheiro cansado dela.
Estamos deitados, não me lembro do corpo. Lembro-me dos olhos.
Estamos tão perto que parece que nos respiramos. Estamos tão urgentes que não deixamos de nos olhar.
As nossas mãos têm uma vida à margem de nós, percorrem tudo, rastreiam tudo. Sentimos a tentação de cerrar os olhos mas percebemos que é exactamente o que estamos a tentar não fazer.
Tenho dois dedos enfiados na cona dela e um no cu – tento sempre e guardo-o sempre para mim próprio: não há cheiro mais soberbo que o do cu duma mulher!
Juliana geme em silêncio, não há outra maneira de o dizer. Ela tem a minha picha na mão e começa a espremê-la, literalmente.
Navegamos nesses gestos sem nunca desviarmos o olhar. E não sei quanto tempo passou, um segundo ou uma hora, quando acontece a luz perfurante duma fresta do estore e a manhã entra no quarto com Juliana a contorcer-se inteiramente viva, animal e abundantemente líquida nas minhas mãos.
Estamos nus, magros, suados – não tomámos duche... O cheiro da sua pele negra, depois do orgasmo, é ainda mais intenso. Lembro-me dos olhos.
– Não te vieste?
Sorrio-lhe, porque não consigo esquecê-la. Costumo ser tão bom a vir-me depressa como a nunca mais me vir, mas nada disto é vulgar. Continuo a olhá-la como se não soubesse, como se ninguém me avisasse que ali era o sexo, mas a minha mão continua a esfregá-la, e ela continua a gemer apenas com os olhos, e é então, no escuro dessa luz, na convergência de toda a irrealidade, que me venho na mão dela, na barriga dela, na pele dela... Mas, sobretudo, parece-me, nos olhos dela.
Sorrio-lhe, porque não consigo esquecê-la. Não sei se alguma vez amei tão consideravelmente uma mulher desconhecida. Por isso, esqueço-a de imediato. Penso, só para mim: há apenas um tipo de amor que nos faz feliz e esse amor não existe.
Não sei explicar o olhar de Juliana. Sei que naquele instante os nossos olhos tiveram a mesma cor. E é ela que diz, na voz caramelizada do seu brasileiro nordestino:
– Como não? O amor é isso!
A manhã instala-se connosco nos lençóis humedecidos, no trópico dos nossos desejos. Passámos a última hora a confidenciar tudo sobre as nossas vidas no mais eloquente silêncio. E, quando damos por nós, por não haver mais para onde ir uma vez atingido o pináculo da intimidade, desatamos a foder.
Fodo-a na cona enquanto lhe lambo o pescoço e os sovacos com uma leve penugem.
Depois fodo-a no cu enquanto lhe mordo a nuca.
Depois ela fode-me a mim, as pernas e os olhos bem abertos, a dar às ancas no ritmo que lhe convém.
O cheiro da fricção dos nossos sexos atinge-me as narinas como a munição disparada de uma arma, um canhão com a boca toda aberta, boca de cona negra adornada de lindos cabelos encaracolados.
Juliana arranha-me o peito. Iniciou um ciclo orgásmico e vem-se cada vez que altero o ritmo ou faço um movimento diferente. Vem-se repetidamente em cima de mim, comigo dentro dela, como se não fosse capaz de parar. Até que, eventualmente, pára. Ergue ligeiramente as ancas, tirando-se do meu caralho que parece fumegar, e continua a foder no ar, roçando a cona apenas ao de leve na minha glande. Então solta um gemido arrastado de onça e um líquido abundante escorre de dentro dela, transparente e viscoso, com um cheiro intoxicante a flores carnívoras.
A visão daquela catarata é demais para a minha imaginação. Tiro apressadamente o preservativo e começo a esguichar em traços verticais e intermitentes uma quantidade industrial de esperma, riscando de branco o dourado escuro da sua pele.
Depois, não sei exactamente porquê, começamos os dois a rir às gargalhadas.
No quarto não é dia nenhum, mas lá fora o domingo começa serenamente a pôr a cabeça de fora. Exaustos, mas saciados, perdemos o sono. E se não dormimos, sabemos que só há um caminho a seguir.
Não nos despedimos de uma só vez. Não tomamos duche. Ela vai para casa e eu quero conservar o cheiro dela no meu corpo. Vamo-nos despedindo enquanto nos limpamos e vestimos a roupa lentamente.
Não lhe pergunto se alguma vez a irei voltar a ver. E Juliana não me dá o número de telefone para o caso de eu querer estar com ela outra vez. Vestimo-nos e olhamos simplesmente um para o outro como se não houvesse outra coisa a fazer.
Mas há. Há algo que eu não quero, não consigo deixar de fazer. É o meu derradeiro orgasmo no encontro do nosso prazer.
– Vem comigo ao multibanco.
– Porquê?
– Preciso de te pagar.
Armando Sarilhos
Armando Sarilhos
O cérebro é o órgão sexual mais poderoso do ser humano. É nele que tudo começa: os nossos desejos, as nossas fantasias, os nossos devaneios. Por isso me atiro às histórias como me atiro ao sexo: de cabeça.
Na escrita é a mente que viaja, mas a resposta física é real. Assim como no sexo, tudo é animal, mas com ciência. Aqui só com palavras. Mas com a mesma tesão.
Críticas, sugestões para contos ou outras, contactar: armando.sarilhos.xx@gmail.com