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12 Junio, 2017 Prostituição Antes do 25 de Abril (Grande Reportagem)

Grande reportagem sobre a Lei, a vida das prostitutas e das "madames", e os escândalos.

Numa grande reportagem sobre a Prostituição Antes do 25 de Abril, vamos dar-te a conhecer a Lei, a vida das mulheres que se prostituíam, as "madames" do tempo de Salazar, os escândalos que abalaram o regime e a tortura de homossexuais.

Prostituição Antes do 25 de Abril (Grande Reportagem)

Nesta primeira parte, abordamos o regime de leis que imperava e que permitia a existência das chamadas "Toleradas".

Leia ainda os outros tópicos desta grande reportagem sobre a Prostituição Antes do 25 de Abril:

+ Relatos de mulheres que se prostituíam
+ As Madames de luxo do tempo de Salazar
+ O escândalo Ballet Rose
+ Homossexualidade, repressão e tortura

As "Toleradas"

Desde 1842, havia em Portugal um regime de tolerância relativamente à prostituição, com a existência de regulamentos policiais e sanitários que obrigavam as mulheres que exerciam a actividade - e que se conheciam por "toleradas" - a matricularem-se e a fazerem uma inspecção de saúde todas as semanas.

Quando se detectava uma Doença Sexualmente Transmissível (DST´s), eram obrigadas a internarem-se em hospitais especiais, muitos com aspecto de verdadeiras prisões, como a Enfermaria de Santa Maria Madalena no Hospital do Desterro, em Lisboa.

Estas regulamentações foram surgindo espaçadamente, em várias cidades. O Regulamento Policial das Toleradas do Concelho de Braga, por exemplo, data de 1871 e determinava que as "prostitutas" ou "toleradas" eram as mulheres que "declaradamente", faziam da "meretrícia" o seu modo de vida, em casas reconhecidas para o efeito, ou as que recebiam em casa "visita frequente de homens" ou ainda, as que "coabitavam" com soldados fora do casamento.

Alguns desses regulamentos determinavam como idade mínima para o registo como "toleradas" os 16 anos, mas outros não referiam idade e há rumores de que haveria crianças com 11 anos matriculadas como prostitutas.

As "toleradas" tinham um livrete que precisavam de apresentar nas inspecções e à polícia, sempre que pedido, e estavam sujeitas a várias proibições e se não as cumprissem, iam para a cadeia.

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"Degeneradas" e "apupadas"

A partir de Agosto de 1900, o controlo do Estado sobre a actividade apertou, sobretudo por questões de Saúde Pública, nomeadamente para evitar a propagação da sífilis, que constituía uma grande epidemia na altura.

As "toleradas" tinham, por vezes, que deslocar-se, "em  procissão, sob escolta, observadas e apupadas por muita gente", ao local de inspecção sanitária, conforme relata a investigadora Maria Johanna Schouten na intervenção "Estigma, legitimidade e legalidade: fragmentos da história do debate sobre a prostituição", no Colóquio Internacional "Família, Género e Sexualidade nas Sociedades Contemporâneas", em 2002.

Já os clientes destas mulheres não eram sujeitos a qualquer inspecção, o que permitia que a sífilis continuasse a propagar-se.

Uma "instituição" em defesa do casamento

A prostituição mantinha-se como uma actividade underground, escondida, mas era controlada e aceite como algo inevitável e até útil para a harmonia dos casamentos. Os bons pais de família que iam às "meninas", mantinham os seus casamentos e não andavam a desviar solteiras virgens, nem casadas atrevidas.

O sexo conjugal existia, na época, apenas para efeitos de "multiplicação da espécie". A prostituição era, deste modo, uma quase "instituição" que funcionava simbolicamente como garante da moralidade da sociedade.

Também era associada à vida boémia, por exemplo, na Lisboa do Bairro Alto, onde "mulheres da má vida", poetas, actores, jornalistas e aristocratas davam as mãos na partilha de uma liberdade mundana que, fora das portas da taberna ou dos bordéis, não era permitida.

O fado fundia-se então, com a prostituição, numa convivência que se alargava a todos os estratos sociais.

Em 1929, com a grave crise económica, verificou-se um aumento da prostituição. Muitas mulheres tiveram que deixar as suas terras rumo às cidades para servir como criadas em casas, mas, muitas delas, acabavam forçadas pelas circunstâncias a entregar-se à actividade.

Nessa altura, começaram também os primeiros sinais rumo à proibição, nomeadamente quando o Governador Civil de Lisboa, num edital de 23 de Abril de 1930, decretou a extinção das "casas de toleradas e casas de passe" e decidiu pôr fim à "concessão de alvarás de licença" para a abertura de novos estabelecimentos.

Mas aquilo que parecia uma tentativa de repressão pura da prostituição, não passava de "fogo de vista", uma vez que o mesmo edital definia o seguinte:

"... Creada uma classe de estabelecimentos de permanência transitória denominados QUARTOS MOBILADOS".

Aquilo que se pretendia, no fundo, era mais discrição - o objectivo era garantir o funcionamento da actividade sem incomodar muito a sociedade católica.

A proibição em "nome de Deus" e de Salazar

Em 1933, com o arranque formal do Estado Novo, Salazar manteve tudo mais ou menos na mesma, tolerando-se a prostituição como "a mais velha profissão do mundo" que tinha inclusive, uma função "educativa", para os jovens rapazes, que iniciavam, quase sempre, a sua vida sexual indo às "meninas".

O relato de Adriano, um empregado de escritório reformado, recolhido na tese de mestrado em História Contemporânea de Ana Maria Alves, intitulada "Percursos de Vida: A Prostituição no Porto na Década de 60/70", é um retrato fidedigno dessa realidade, ilustrando como ele viveu a sua primeira experiência sexual.

"Nunca esquecerei a minha primeira vez, tinha 14 anos. Os meus amigos mais velhos, da rua onde morava, acharam que estava mais do que na hora de conhecer uma mulher. Quando chegou a minha vez, encontrei uma mulher que devia ter 50 anos. O quarto onde recebia os clientes tinha um cobertor a fazer de porta. No chão havia um xaile estendido, numa ponta colocávamos o dinheiro (2 escudos e 50 centavos), na outra estava o pano de limpeza para usarmos no fim do acto sexual. Tudo se passou rapidamente. Quando saí, havia uma fila de 18 homens para a mesma mulher atender."

Alguns ministros de Salazar, bem como os grandes industriais, empresários e a realeza da época, eram também clientes assíduos de famosas casas de "Madame" - falaremos mais em detalhe destas donas dos mais exclusivos bordéis daqueles tempos, num próximo artigo.

Simultaneamenta, havia orgias homossexuais, repletas de drogas e álcool, mesmo que oficialmente, nem homossexuais, nem prostituição masculina existissem - outro assunto que será retratado num artigo a publicar em breve.

Viviam-se tempos em que "a  defesa  das  aparências  levava  mesmo  a  falsos  moralismos", como lembra Manuel Gama na dissertação "Da censura à auto-censura no Estado Novo", do Departamento de Filosofia e Cultura do Instituto de Letras e Ciências Humanas da Universidade do Minho.

No discurso oficial, Salazar resumia a sua visão e política para o país no famoso slogan "Deus, Pátria, Família", proclamando a "modéstia" das mulheres e a fé cristã, como é patente num extracto da sua intervenção numa conferência organizada pelo Centro Católico do Funchal, a 6 de Abril de 1925.

"Ensinai aos vossos filhos o trabalho, ensinai às vossas filhas a modéstia, ensinai a todos a virtude da economia. E se não poderdes fazer deles santos, fazei ao menos deles cristãos."

E foi muito por influência da Igreja Católica e da defesa da "moral e dos bons costumes" que, em 1945, foram dados os primeiros passos rumo à repressão da prostituição com um decreto-lei que equiparava a prostituta ao ladrão.

A 9 de Agosto de 1949, proíbe-se a matrícula de novas prostitutas e casas, mantendo-se no entanto, em funcionamento as já existentes. Também se decreta o encerramento das casas com menores de 21 anos - isso não viria contudo, a evitar o escândalo Ballet Rose, nos finais de 1960, envolvendo crianças com apenas 8, 9 e 10 anos e vários ministros de Salazar. Vamos contar essa história também nos próximos dias.

Mas a proibição definitiva da prostituição só chegaria em 1962, com a aprovação do Decreto-Lei 44.579 que estabelecia o fim da actividade a partir de 1 de Janeiro de 1963.

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O Estado Novo de Salazar fechou então, casas de passe, destruiu os livretes e os registos das "toleradas" e definiu penas de prisão, multas e o internamento em casas de trabalho ou colónias agrícolas para as mulheres apanhadas a violarem a lei.

Em 1964, e provavelmente, após alguns embaraços, o Governo divulgou um esclarecimento a explicar que a proibição e as sanções visavam apenas as mulheres, portanto, os clientes não seriam perseguidos.

Estas normas legais destinavam-se apenas à prostituição no feminino - oficialmente, nem a homossexualidade, nem a prostituição masculina existiam (mas dedicaremos um capítulo, posteriormente, a este tópico).

Embora não havendo estatísticas oficiais sobre a realidade, é sabido que a proibição não acabou com a prostituição e agravou as condições das mulheres, especialmente das que trabalhavam na rua, ficando ainda mais sujeitas aos perigos de serem agredidas ou violadas, com a agravante de que tinham ainda que fugir da polícia.

E depois de Abril...

Com a Revolução do 25 de Abril e a abertura das mentalidades, houve grandes mudanças na sociedade portuguesa, mas no capítulo da prostituição, a moral e a religião continuaram a manter tudo igual e até 1983, as prostitutas continuaram sujeitas a pena de prisão.

A 1 de Janeiro de 1983, com o Decreto-Lei 400/82, de 23 de Setembro, a prostituição foi finalmente, descriminalizada.

Actualmente, é crime a exploração sexual de outrém, bem como o tráfico de pessoas para a prática da prostituição e a prostituição infantil.

Em 2011, foi criada a Rede Sobre Trabalho Sexual (RTS) que visa promover a defesa dos direitos humanos, sociais e laborais dos trabalhadores do sexo e combater a discriminação e a violência dirigida a estas pessoas, lutando pelo reconhecimento do trabalho sexual como "uma actividade comercial de prestação de serviços, a troco de dinheiro ou bens materiais".

No campo político, começou a discutir-se a possibilidade de regulamentar a actividade, mas o debate está só a começar.

Gina Maria

Gina Maria

Jornalista de formação e escritora por paixão, escreve sobre sexualidade, Trabalho Sexual e questões ligadas à realidade de profissionais do sexo.

"Uma pessoa só tem o direito de olhar outra de cima para baixo para a ajudar a levantar-se." [versão de citação de Gabriel García Márquez]

+ ginamariaxxx@gmail.com (vendas e propostas sexuais dispensam-se, por favor! Opiniões, críticas construtivas e sugestões são sempre bem-vindas) 

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