10 Mai, 2022 Missão da Acompanha é ajudar o próximo "sem perguntas, nem juízos de valor"
Mais uma reportagem do Especial Associações que prestam apoio a trabalhadorXs do sexo.
A Acompanha é a associação destacada, neste mês de maio, no âmbito das reportagens especiais sobre as entidades que prestam apoio a quem faz Trabalho Sexual. Vem saber como atua no auxílio a trabalhadorxs do sexo e não só.
A Acompanha Peniche é uma cooperativa de solidariedade social e também uma IPSS (Instituição Particular de Solidariedade Social) que foi inaugurada em 1999, apenas com o serviço de apoio domiciliário.
Mas o facto de haver "muitos problemas de toxicodependência e alcoolismo" em Peniche, no distrito de Leiria, levou à criação, em 2003, do projeto "Porto Mais Seguro" para colocar no terreno uma equipa de rua, e implementar os serviços de troca de seringas e de substituição opiácea, como conta ao Classificados X a diretora técnica e presidente da Acompanha, Madalena Malheiros.
Essa equipa de rua continua no ativo, atuando apenas no concelho de Peniche para levar às pessoas informação e serviços de proximidade.
A partir desse contacto estabelecido pela equipa do "Porto Mais Seguro", foi possível perceber que havia também muitos casos de pessoas com VIH e outras Infeções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) na zona, devido ao facto de as pessoas manterem comportamentos que não eram "muito corretos", nota ainda Madalena Malheiros.
Foi assim que, em 2008, nasceu o projeto "Sidade Alerta" que se destina, sobretudo, a trabalhadorXs do sexo, homens que fazem sexo com outros homens, populações migrantes, sem-abrigo, mas também à população em geral. Porque, afinal, "o perigo não está só nestas populações mais vulneráveis", como frisa a presidente da Acompanha.
"Temos um porto de pesca muito grande, onde muitas embarcações, de muitos países, acabam por ficar durante tempo indeterminado", acrescenta a responsável.
Assim, o projeto também quer chegar a pessoas que "vêm de fora" e que ficam em Peniche "um, dois, três meses, e que também têm comportamentos incorretos, quer a nível sexual, quer de consumos", salienta Madalena Malheiros.
"Tentamos ensinar, sensibilizar, informar este tipo de público", constata ao Classificados X
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A Acompanha atua na região Oeste Norte, incluindo Peniche, Óbidos, Lourinhã, Caldas da Rainha, Alcobaça e Bombarral, mas até chega a Torres Vedras porque não existe propriamente uma linha geográfica rígida a delimitar o serviço.
Testes rápidos no Centro de Rastreio e em apartamentos
O "Sidade Alerta" presta serviços anónimos e confidenciais através do Centro de Rastreio Comunitário localizado na Avenida do Porto de Pesca em Peniche. O espaço está aberto todos os dias, com técnicos que fazem rastreios rápidos ao VIH, às hepatites B e C e à sífilis.
Mas também faz intervenção na rua e em apartamentos e bares de alterne com marcação prévia.
Além disso, realiza "muitas atividades dirigidas à população em geral, desde os mais velhos até aos mais novos", como explica Madalena Malheiros, referindo-se a "sessões informativas sobre comportamentos e a prevenção", com o intuito de "sensibilização".
O objetivo também é dar a conhecer os serviços da Acompanha, garantindo que "toda a gente tenha conhecimento de que nós existimos, que não estamos aqui para julgar ninguém, que estamos para ajudar apenas", sublinha Madalena Malheiros.
"Tentamos que as pessoas tenham confiança em nós, que tenham confiança nos técnicos e no nosso conhecimento, para que nos possam procurar sempre que tenham uma dúvida ou tenham tido um comportamento de risco", acrescenta a diretora técnica da Acompanha.
Respeitar o outro "sem perguntas, nem juízos de valor"
Neste tipo de trabalho social, como em outros, é essencial "trabalhar muito a relação e a aproximação" com as pessoas, conforme trata de notar Madalena Malheiros ao Classificados X
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"No início foi muito complicado, fomos nós que contactamos e que fomos insistentes, até que depois se criou a tal relação", nota a diretora que está na Acompanha há 22 anos.
Hoje em dia, já são "as próprias pessoas ou a dona da casa que recebe as mulheres que nos contactam", salienta ainda, vincando que já há a preocupação em fazer rastreios a acompanhantes novas acabadas de chegar.
"Temos muitos donos e donas de apartamentos que não deixam que a pessoa comece a trabalhar sem que primeiro seja rastreada por nós e tenha todo o material necessário para o seu trabalho", realça Madalena Malheiros.
E há até casos de profissionais do sexo que, quando se deslocam para outras zonas, continuam a procurar a Acompanha devido à "relação tão próxima" que foi estabelecida.
Mas até chegar a este ponto, ganhar a confiança das pessoas "é um processo de muitos anos" e de muitas "tentativas", diz Madalena Malheiros.
"Eu prezo muito a humildade, colocarmo-nos ao lado dos outros, fazê-los sentir que estamos a olhar para eles e que estamos a ver com os olhos deles. E quando percebem isso, há uma relação que se cria e que se vai desenvolvendo ao longo das semanas", salienta a presidente da Acompanha.
Assim, "o respeito pelas pessoas e por aquilo que fazem" é fundamental, bem como "não haver perguntas, nem juízos de valor" e "aceitar o outro tal qual como ele é, com as suas escolhas", destaca.
"Ir ao encontro das pessoas sempre que necessitarem"
"Nos bares de alterne é sempre mais difícil fazer rastreios, até porque não é permitido pelos donos", lamenta Madalena Malheiros.
Além disso, existe muita mobilidade entre as profissionais que trabalham nestes espaços, estando em constante mudança de cidade.
"No entanto, estamos lá para nos dar a conhecer, para distribuir material de prevenção e de informação", como folhetos, preservativos masculinos e femininos, e gel lubrificante, nota a presidente da Acompanha. “Temos de mostrar que estamos disponíveis e onde é que estamos, quer seja por telefone, quer seja presencialmente", destaca.
A missão fundamental é "ir ao encontro das pessoas sempre que necessitarem", diz ainda.
O técnico do "Sidade Alerta", Fábio Lopes, acrescenta ao Classificados X
que a "sorte" do projeto é já haver um conhecimento das "pessoas que gerem as casas", o que torna mais fácil o contacto com Xs trabalhadorXs do sexo.
"A partir daí conseguimos conhecer a história de vida delXs", destaca Fábio Lopes. Contudo, não existe "confiança suficiente" para perceber como é que as pessoas, nomeadamente as migrantes, acabaram a fazer Trabalho Sexual, que motivações tiveram para isso, constata também.
Acompanha não faz "qualquer discriminação, nem marginalização"
As pessoas que fazem Trabalho Sexual são socialmente invisíveis, sem direitos porque não existe regulamentação da atividade. "São pessoas que estão marginalizadas pela comunidade, legalmente marginalizadas e discriminadas", lembra Madalena Malheiros.
Mas essa não é a postura da Acompanha que se coloca "ao lado" dXs trabalhadorXs do sexo, não fazendo "qualquer discriminação, nem marginalização relativamente ao trabalho, nem às pessoas como elas são", sublinha a responsável da associação.
A pandemia pôs ainda mais a nu essa marginalização porque as pessoas viram-se impossibilitadas de trabalhar, e não tiveram acesso a apoios que foram dados a outras profissões. Para a Acompanha foi um período difícil porque Xs trabalhadorXs do sexo "isolaram-se", com medo de contrair covid-19.
"Foi muito complicado continuar a manter contacto com elXs", destaca Madalena Malheiros, realçando que a Acompanha tem outros meios e serviços para ajudar, por exemplo, com alimentação, transportes, ir buscar e levar medicação.
Porém, após o alívio nas medidas de confinamento, os contactos foram retomados e a Acompanha já está a trabalhar "normalmente como antes da pandemia".
Ajudar migrantes a aceder ao SNS é "grande dificuldade"
Um dos maiores desafios da Acompanha passa por ajudar os migrantes no acesso ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), sobretudo devido às burocracias. Madalena Malheiros fala em "grandes dificuldades" quando é preciso "referenciar para cuidados primários um migrante que está irregular".
"Mesmo não tendo cartão do SNS, tem direito aos cuidados básicos de saúde e referenciamos, mas depois, tudo o que seja complementar à consulta, é pago pelo migrante e isto torna-se complicado", constata.
A Acompanha tem hospitais e centros de saúde entre os seus parceiros que são essenciais, para "estar lá no momento em que é necessário". Mas, muitas vezes, "as instituições são tão grandes que não conseguem responder tão rapidamente como seria preciso", realça a presidente da Acompanha.
"Temos uma grande ajuda da Doutora Cristina Teotónio que é médica no Hospital em Caldas da Rainha", revela Madalena Malheiros, notando que é uma "facilitadora" da entrada de pessoas no SNS.
Essa "relação muito estreita" dá uma "ajuda" e um "impulso para que as coisas sejam mais céleres em termos de início de tratamentos ou de exames complementares que sejam necessários fazer", explica também a diretora técnica da Acompanha.
Além disso, "está muito dentro destas questões", até porque integra o Fórum Nacional para a Sociedade Civil, e "ajuda no que pode, como todos ajudamos naquilo que podemos", constata ainda.
"Projetos deviam passar a ser um serviço"
Com um olhar para o futuro, Madalena Malheiros lamenta que, nesta área social, os projetos de intervenção sejam "anuais", o que é um "grande problema".
Assim, "olhar para o futuro é sempre um risco", destaca. "Este ano o projeto é aprovado, não quer dizer que para o ano seja", refere. "Gostaria muito que estes projetos deixassem de ser projetos e passassem a ser um serviço", afirma Madalena Malheiros.
A presidente da Acompanha desejaria também fazer "protocolos com os municípios" da área geográfica onde a associação intervém. Mas "a maioria deles ainda não entende que haja necessidade de haver uma equipa que vá atuar neste âmbito", diz.
"Gostaria que compreendessem que é necessário em Peniche e em todo o lado", vinca, queixando-se de que existe ainda um "pensamento retrógrado de que `prostituição no meu concelho não existe`". É um "fechar os olhos" à realidade, aponta.
Contudo, associações como a Acompanha estão no terreno e essa realidade está exposta nos "números que apresentamos à Direção Geral de Saúde", acrescenta.
Por outro lado, do ponto de vista dos técnicos, a presidente da Acompanha salienta que era importante que fossem "dignamente pagos para fazer este trabalho".
"Aquilo que recebemos não é suficiente e, portanto, tem que se trabalhar noutras respostas sociais para pagar, muitas vezes, as despesas deste projeto", diz, sublinhando que também tem de haver "muita boa vontade". "Damos muito de nós", conclui.
Contactos da Acompanha
Morada: Rua Marquês de Pombal, nº 15, 2520-476 Peniche
Centro de Rastreio do Sidade Alerta: Av. do Porto de Pesca Lt. B, 2520-620 Peniche
Telemóvel: 936 027 596
Email: geral@acompanha.pt
Facebook: https://www.facebook.com/Acompanha/
Instagram: https://www.instagram.com/acompanha.centroderastreio/
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Especial Associações - Anda conhecer melhor quem apoia trabalhadorxs do sexo:
Gina Maria
Jornalista de formação e escritora por paixão, escreve sobre sexualidade, Trabalho Sexual e questões ligadas à realidade de profissionais do sexo.
"Uma pessoa só tem o direito de olhar outra de cima para baixo para a ajudar a levantar-se." [versão de citação de Gabriel García Márquez]
+ ginamariaxxx@gmail.com (vendas e propostas sexuais dispensam-se, por favor! Opiniões, críticas construtivas e sugestões são sempre bem-vindas)