17 setembro, 2024 Escolha apoia mulheres que querem fazer Interrupção Voluntária de Gravidez no SNS
Associação nasceu de uma “experiência pessoal” e da recusa de um hospital público.
A jornalista Patrícia Cardoso fundou a associação Escolha depois de ter vivido na pele as dificuldades que muitas mulheres e pessoas gestantes enfrentam no acesso à Interrupção Voluntária de Gravidez (IVG) no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Agora, procura ajudar quem passa pelo mesmo.
A Associação Escolha é uma organização sem fins lucrativos que nasceu há quatro anos depois de uma "experiência pessoal" marcante da sua fundadora, Patrícia Cardoso.
Nessa altura, a jornalista e ativista engravidou e teve "a certeza absoluta de que não queria ter" um filho, como relata ao Classificados X
.
Estava, então, a morar nas Caldas da Rainha, onde tentou aceder ao direito à Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) no Serviço Nacional de Saúde (SNS), como é permitido por lei.
"O hospital público da zona negou-me o acesso à IVG", revela Patrícia Cardoso, notando que foi atendida por "uma senhora muito mal-educada" que lhe disse logo: "aqui não fazemos".
Em causa estava o facto de o hospital se autointitular como "objetor de consciência", nota ainda Patrícia Cardoso. Um objetor de consciência recusa-se a realizar a prática do aborto por razões de ordem religiosa, moral, humanista ou filosófica.
Esta realidade é um dos aspetos que a Escolha quer mudar. Para isso, pretende que exista uma "objeção de consciência regulamentada" que "não impossibilite uma mulher” de ir a um hospital público fazer uma IVG, destaca a fundadora da associação.
Isto pode passar, por exemplo, por definir "quotas" para que existam médicos que não sejam objetores de consciência nas equipas hospitalares do SNS.
Escolha dá apoio e acompanha a consultas
Voltando à experiência pessoal de Patrícia Cardoso no Hospital das Caldas da Rainha, acabaram por a informar de que seria reencaminhada para o centro de saúde e que, após duas consultas, "tinha que ir a Lisboa fazer".
A jornalista acabou por realizar a IVG numa clínica privada, pagando do seu bolso os custos do ato cirúrgico. Uma realidade que não está ao alcance de muitas mulheres que se deparam com dificuldades no acesso ao aborto no SNS.
Foi a pensar nessas mulheres e nas pessoas gestantes que a Escolha nasceu para ajudar com informação e aconselhamento. Mas a associação também acompanha as pessoas em todo o processo da IVG - antes, durante e após o procedimento.
Aconselhamento psicológico
A fase posterior ao ato é, por vezes, a "mais difícil" para algumas mulheres e pessoas gestantes, muitas vezes devido ao "estigma" que ainda existe associado à IVG, uma "lei muito nova e ainda controversa", assume Patrícia Cardoso.
Continua a haver "muita resistência" neste âmbito, nota, salientando que há quem tenha feito a IVG "há anos" e não consiga "processar o ato" na sua cabeça.
Esses casos são encaminhados pela Escolha para aconselhamento psicológico com profissionais com quem a associação tem parcerias. Essa colaboração permite um desconto de 15% nas consultas.
A liberdade de escolha
A Escolha também tem como missão "mudar" a perspetiva que algumas pessoas ainda têm sobre a IVG, defendendo a "liberdade que a mulher deve ter, em qualquer ponto da vida, para saber se quer ser mãe ou não".
"Ainda há mulheres que sentem muita vergonha e muita culpa", admite Patrícia Cardoso, salientando que para a associação, "não é um assunto controverso, não é algo de que não devemos falar".
"É uma escolha da mulher válida em qualquer altura", aponta ainda, frisando que nem precisa de haver uma justificação para a sua decisão.
"Não tens que dizer, em nenhum momento, porque é que vais fazer uma IVG", acrescenta a jornalista. "Porque decidi, ponto", conclui.
O trabalho da associação passa também por "empoderar as mulheres que fizeram IVGs", falando dos entraves ao procedimento que existem no SNS "através de experiências pessoais".
O objetivo é "desmistificar a ideia de que fazer uma IVG é errado", constata a fundadora da Escolha.
Assim, a associação procura "falar de exemplos, na primeira pessoa", de "pessoas que admitem ter feito uma IVG, para si e para os outros, sem problemas, para começarmos a mudar a forma como a sociedade encara uma IVG".
Acabar com ideias erradas sobre a IVG
Em Portugal, a IVG só pode ser praticada até às dez semanas de gravidez por vontade exclusiva da mulher. Contudo, algumas campanhas contra o aborto ilustram o procedimento com imagens horríveis de bebés mortos, o que está muito longe da realidade.
"É uma fase muito antes de se formar uma vida", explica Patrícia Cardoso, frisando que na IVG até às dez semanas, nem sequer podemos falar de um feto - "é um embrião", repara.
A Escolha também luta contra estas ideias erradas e divulga nas suas redes sociais, informações para clarificar o que está, realmente, em causa em termos médicos, nomeadamente um vídeo onde mostra "o que é realmente a IVG até às 10 semanas".
Parceria com Plano AproXima é uma "mais-valia"
A parceria entre a Escolha e o Plano AproXima é "uma mais-valia" porque ajuda a associação a falar "diretamente" com mulheres e pessoas gestantes que não se sentem representadas nas esferas sociais.
Além disso, existe ainda o preconceito de que as profissionais do sexo "engravidam de qualquer maneira" e de que "não são cuidadosas", como vinca Patrícia Cardoso, frisando que a Escolha é "completamente contra esta linha de pensamento".
Por isso, a jornalista defende que é importante que as trabalhadoras do sexo tenham acesso a toda a informação necessária para que "os seus direitos sejam salvaguardados" e para "não sofrerem um preconceito acrescido" devido à sua atividade profissional.
A associação defende o "direito à privacidade" como princípio basilar no acesso à IVG, também para acautelar estas profissionais.
Quem procura a ajuda da Escolha?
"Não existe um padrão" nas mulheres que procuram a ajuda da Escolha, revela Patrícia Cardoso ao Classificados X
.
A associação acompanha "todo o tipo de mulheres, de 40 anos, de 20, jovens a viver com os pais, mulheres que fizeram uma IVG há quatro anos e que não conseguem processar o ato, profissionais de saúde", exemplifica a ativista.
É "uma mescla de tudo", "algumas têm "padrão de vida acima da média", outras "não falam Português", acrescenta. "Todas nós podemos passar por isto em algum momento da vida", analisa Patrícia Cardoso.
Aborto continua a ser crime em Portugal
Patrícia Cardoso realça ainda que é preciso acabar também com o que define como "um certo privilégio" de quem vive perto de um hospital que faça uma IVG - "isso tem de ser o normal", diz.
Até porque algumas pessoas podem ter falta de "liberdade financeira" para se deslocarem a localidades onde a prática seja realizada. E outras podem estar a viver relacionamentos abusivos, sendo controladas pelos parceiros, o que complica essa deslocação.
Assim, estas mulheres encontram-se numa "situação dramática" que Patrícia Cardoso define como "uma violação e uma violência da liberdade".
Perante tais circunstâncias, considerando os entraves e os prazos legais para fazer a IVG, algumas podem ver-se empurradas a tomarem medidas desesperadas e ilegais.
É importante sublinhar que o aborto continua a ser crime em Portugal, quando é feito "fora das circunstâncias em que está legalizado e que são muito restritas", explica Patrícia Cardoso.
"Há pessoas com penas suspensas" e a serem condenadas pelo crime de aborto, constata a fundadora da Escolha, exemplificando que quem tomar comprimidos abortivos também incorre num crime. Além disso, pode colocar em risco a própria saúde.
Associação Escolha
Site: https://associacaoivg.wordpress.com/
Instagram: https://www.instagram.com/associacao_escolha_ivg/
Email: associacaoescolha@gmail.com
Telefone: 913161309
______
Especial Associações - Anda conhecer melhor quem apoia trabalhadorxs do sexo e não só:
Gina Maria
Jornalista de formação e escritora por paixão, escreve sobre sexualidade, Trabalho Sexual e questões ligadas à realidade de profissionais do sexo.
"Uma pessoa só tem o direito de olhar outra de cima para baixo para a ajudar a levantar-se." [versão de citação de Gabriel García Márquez]
+ ginamariaxxx@gmail.com (vendas e propostas sexuais dispensam-se, por favor! Opiniões, críticas construtivas e sugestões são sempre bem-vindas)