10 abril, 2016 (A)companhia (i)legal
Pensei bastante antes de me debruçar sobre este assunto no blog do ClassificadosX. Longe do debate da legalização e dos prós e contras, há uma verdade inegável: a procura existe e a oferta também. Então porque é que ainda em pleno séc. XXI viramos a cara?
Aquando da minha primeira viagem a Amsterdão, tive a oportunidade de testemunhar in loco de como a indústria das profissionais do sexo se inseria num contexto laboral. Horários, regras, discriminação e a realidade por detrás do mito do “paraíso do sexo”
A legalização na Holanda daria um óptimo case study para sociólogos que não fodem, mas uma análise mais profunda consegue-nos dar o contexto histórico que levou a que tal se desse. Legalizar esta indústria não é tão preto no branco como se julga e a coisa não se deu da noite para o dia com um decreto-lei. Não vou dar seca e transformar isto numa aula de História, mas de forma resumida, podemos dizer que desde a Idade-Média que a tolerância a esta escolha profissional era latente na sociedade dos Países-Baixos e tudo isto motivado, conforme mencionado anteriormente, por vários factores de cariz politico, religioso, económico e social do país em questão. Mas estamos em Portugal e é do nosso país que nos interessa falar. Eu nunca paguei por sexo. Ponto. Não por uma questão moral ou ética, mas pelas circunstâncias da minha própria vida e isto não me faz nem melhor ou pior que o meu próximo. Nem tão pouco foram as fortes raízes religiosas que o nosso país a influenciar-me e que tendem a vilipendiar tudo o que vá contra a “moral e bons costumes” que vem escrito num livro que faz apanágio da violência (tanto mais que sou ateu!). Nada disso. Cada um encara o sexo à sua maneira e creio que até mesmo quando se paga por sexo, também as razões que o levam a fazer são diferentes. Assim como quem decidiu cobrar para o fazer nalguma altura da sua vida. Necessidade? Opção libertina? Estilo de vida? Dinheiro? Gosto? Não sei. Não julgo, nem quero saber da mesma forma que não questiono alguém que foi para agente da PSP, a razão da sua escolha. Esta área cinzenta que vivemos há décadas no nosso país teima em manter toda uma “indústria” num limbo legal. Todos sabemos as casas onde podemos ir. Todos sabemos onde o fazem. Todos vemos os anúncios em jornal. Na internet. Mas legalizar? Não se fala mais em hemiciclos. Quem sairia beneficiado? Quem perderia? No entanto, por este país, milhares de mulheres todos os dias continuam a oferecer algo para que existe procura. Bastante procura. No entanto, por este país, milhares de mulheres todos os dias vivem de uma profissão que tem tantos benefícios, proteção e aceitação que a de um criminoso.
Desculpem, estou a ser injusto: têm bastantes menos beneficios, protecção e aceitação que a de um criminoso.
Também não posso virar a cara à exploração e tráfico humano de milhares de mulheres por esse mundo fora e que são obrigadas a tal. Escravatura é crime. Ponto. Seja em que ramo for. E porque é que esta escravatura é a que mais prolifera? Precisamente porque até mesmo a sua versão “legal” não o é. Hipocrisia. Cinismo na boca de quem aponta o dedo e depois festeja com as mesmas longe dos olhares da multidão.
Não sou nenhum justiceiro online das acompanhantes.
Conheço algumas pelos motivos profissionais que me levam a escrever neste espaço e é por elas que falo. Porque elas tomaram uma decisão um dia: sei foder, gosto de foder, já fodia antes, vou continuar a foder, sou dona e senhora do meu corpo, sou livre de escolher e vou ganhar assim a minha vida. Sabem que mais? Vejo mais honestidade neste tipo de atitude do que quem se escraviza a si mesmo num emprego sem futuro sob a alçada de um patrão que nos fode todos os dia e é mau pagador.
Legalizar é necessário e será uma realidade um dia. Mas até quando vamos olhar de lado para quem tomou uma opção de vida consciente?
Até quarta e boas fodas. A pagar ou não.
Noé
Trintão miúdo de coração ao pé da boca. Perdido em fantasias concretizadas e concretizáveis apenas preso por amarras do anonimato. Relatos passados de opinião libertina é um santo pecador por excelência.