10 setembro, 2020 Corre, corre, corre!
Quando vires algo que queiras, algo que realmente desejes, corre! Corre atrás e toma-a nas tuas mãos até ser tua!
Nunca esqueci as palavras do meu pai no fatídico momento em que se preparava para atravessar a última fronteira da sua vida – mais ou menos entre Elvas e Badajoz:
– Quando vires algo que queiras, algo que realmente desejes, corre! Corre atrás e toma-a nas tuas mãos até ser tua!
Nunca soube se se referia a uma coisa material – afinal, estamos a falar de um inveterado carteirista profissional – ou a algo mais transcendente, mas a verdade é que nem tive tempo de pensar nisso. Dois minutos depois, quando ainda secava as lágrimas por me ver repentinamente desprovido do meu pai – pois apesar de ser meu pai foi o mais próximo que tive duma figura paternal –, vi passar a minha vizinha Mariazinha acompanhada de uma amiga para mim desconhecida.
Ante a pródiga visão, as palavras do meu pai ecoaram na minha cabeça como um comprimido de efeito imediato e, imbuído de um novo sentido, desatei a correr atrás delas como se disso dependesse o meu destino!
Descontei 30 segundos para raspar o buço adolescente, calçar umas meias lavadas e bater uma das minhas punhetas juvenis, e precisamente no momento em que saí à minha porta, vi-as virar a esquina do posto dos Correios, percebendo segundos depois que uma delas se tinha extraviado. Vi apenas de relance um carro que se afastava e uma mãozinha cor de rosa a acenar despedidas pela janela do banco de trás, qual patinha de lagosta a chamar para o petisco.
Mariazinha, com suas tranças intuitivas, como que pressentiu a minha correria doida e, provavelmente num acto reflexo, mal deu pela minha presença pôs-se em fuga.
Mariazinha era agora uma pequena gazela selvagem, e o seu passo era tão atlético que imediatamente me senti um velho tigre esfomeado. Como se sabe, os tigres não são os melhores amigos duma perseguição – a não ser que estejam no cinema. Escondem-se sorrateiros e atacam de surpresa. Se o ataque falha, não é bicho de entrar em maluqueiras e desatar a correr atrás da presa, pois está consciente da sua desvantagem velocipédica.
O repentino encontro podia ter ficado por ali, mas ao meu devaneio filosófico-national-geographico sobrepuseram-se, afortunadamente, as palavras do meu pai, repetidas na minha cabeça como tambores zulus na eucaristia dominical:
– Corre! Corre atrás dela!
E, como um desalmado que acaba de receber o seu baptismo de fogo, corri!
Corri pelos anos, ao longo dos tempos, atravessando épocas e gerações.
Enquanto corria, qual Forrest Gump atacado por vespas, aprendi a viver como um predador incansável e resiliente. Aprendi a dormir de pé, enquando corria. Aprendi a comer aves e insectos vivos, abocanhando-os em pleno voo. Aprendi a fazer as minhas necessidades em movimento, ao mais sinuoso género “cagando e andando”.
Com os índios nómadas dos mares do sul, desenvolvi metodologias para satisfazer outras necessidades básicas, como o tantrismo. Como não dava jeito nenhum, estudei com os operários da fábrica das Caldas uma versão ultra-rápida de ejaculação precoce.
– Já? Mas nem tiraste as cuecas…
– Não tenho tempo! Mas tu és muito boa… acho.
E corri, corri, corri, sempre com a Mariazinha no horizonte. Às vezes perdia-a de vista durante semanas... Mas continuava a correr até o incenso suor dos seus sovaquinhos virgens me voltar a pôr no rasto. Então voltava a avistá-la e o meu coração palpitava, tentava chamá-la, mas as borboletas do meu estômago saiam-me pela boca e engasgava-me até ao vómito. Era de novo feliz!
Foi então que atingi a puberdade e finalmente atingi o nirvana da vida sexual propriamente dita. Fodi tudo o que mexia, porque na verdade era a única maneira que, no meu passo de corrida, conseguia manejar.
Fodi ocidentais por trás, segurando-as pelas pernas e fazendo delas verdadeiros carrinhos de mão. Fodi orientais de frente, colocando-as à cintura como cintos de castidade avariados. Fodi nórdicas de lado, trepando por elas acima até lhes enfiar a narça pelas narinas. Fodi cona, fodi cu, fodi lábios com sabor a cu. Fodi, fodi e fodi, como os coelhos com pilhas duracel, como se não houvesse amanhã, nos quatro caminhos do mundo, pelos sete mares de ir ao fundo, brancas, pretas e amarelas, Luísas, Susanas e Anabelas, saciando assim a solidão da minha correria universal!
E um dia, para encurtar a história, que já deve estar a cansar toda a gente (falo por mim), consegui finalmente apanhar Mariazinha!
Depois de a pôr de pé e lhe tentar beijar os arranhões, como a minha avó me ensinara, trocámos por fim as nossas primeiras palavras emocionadas:
– Olá Mariazinha. Ou seja, Mariazona... Os anos foram generosos contigo, ãh? Mesmo com esta correria toda… Seja como for, ainda bem que te encontro.
– Oh… Rendo-me! Ganhaste! Rendo-me! Estou aqui, enfim... Faz de mim o que quiseres, mas faz-me feliz!
– Depois falamos no que tu quiseres, mas antes diz-me só uma coisa. Estás a ver aquela amiga com quem ias naquele dia, há 45 anos...?
– Sim, a Aurora.
– Dás-me o telefone dela?
Armando Sarilhos
Armando Sarilhos
O cérebro é o órgão sexual mais poderoso do ser humano. É nele que tudo começa: os nossos desejos, as nossas fantasias, os nossos devaneios. Por isso me atiro às histórias como me atiro ao sexo: de cabeça.
Na escrita é a mente que viaja, mas a resposta física é real. Assim como no sexo, tudo é animal, mas com ciência. Aqui só com palavras. Mas com a mesma tesão.
Críticas, sugestões para contos ou outras, contactar: armando.sarilhos.xx@gmail.com