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29 outubro, 2020 A dívida - Parte I

(Com Ilustrações de Xana Pascual)

Ela chegou à hora marcada, o que confirmava estar consciente da seriedade do caso. Menos mal: detesto pessoas que se atrasam!

A dívida - Parte I

A dvida 02

Toc toc toc!

A dvida 03

– Entre!

A dvida 04

– Feche a porta e sente-se.

A dvida 05

– Deixe-me só acabar esta carta que estive a escrever, imagine, a um amigo que não vejo há 50 anos…

A dvida 06

– Era um estupor na altura e continua a sê-lo agora. Finalmente meteu o pé na argola, a vida dá-nos estes pequenos presentes… Pronto. Deseja beber alguma coisa?

A dvida 07

– Obrigada. Eu não bebo, senhor doutor.

A dvida 08

– Faz bem. Sei que é uma senhora de família, se não fosse não estava aqui. Não suporto a vulgaridade, sabe? Mas admiro o que é genuíno... Percebe o que estou a dizer?

A dvida 09

– Não sei…

– Tem quantos filhos, dois? O último tem quantos anos?

– Oito meses.

– Humm… Ainda tem leite?

A dvida 10

– Não tenha vergonha, é uma pergunta normal para uma mãe.

– Um bocadinho…

– Interessante.

A dvida 11

– A senhora é uma bela mulher. O que eu considero uma mulher verdadeira. Não é afectada, não põe porcarias na cara e não anda praí metida em confusões. Não se põe em bicos de pés e fica em casa com os filhos, como deve. Ao contrário do seu marido, que é, perdoe-me a expressão, um labrego.

– Eu sei, senhor doutor.

– Eu sei que sabe. Toda a gente sabe. Tire a blusa.

A dvida 12

– Desculpe, senhor doutor…?

A dvida 13

– Ouviu o que eu disse. Tire a blusa e o soutien.

A dvida 14

– Obedeça!

A dvida 15

Bello

A dvida 16

– Mais devagar. Temos muito tempo…

A dvida 17

– O seu marido tem-me dado dores de cabeça desde há muito, muito tempo... Isso tem que ter uma compensação.

A dvida 18

Mamma mia, que visão! Não há nada mais belo do que as tetas duma jovem mãe…

A dvida 19

– …carregadas com o néctar e o calor da vida!

A dvida 20

– Deixe-me chegar mais perto de si…

A dvida 21

– …e tomar o assunto nas minhas próprias mãos!

A dvida 22

– Não via umas tetas tão belas desde a minha jovem mãezinha…

A dvida 23

– …quando mamava nela como um bambino feliz. Mhmmmm…

– Ohhh…

A dvida 24

– É como beber o leite dos anjos...

A dvida 25

– O teu garoto fome não passa de certeza.

A dvida 26

Dio mio, que abundância maternal!

A dvida 27

– O que nos leva a assuntos mais prementes: abra as penas!

A dvida 28

– Oh, senhor, tenha dó de mim… Sou uma mulher séria!

A dvida 29

– Peço desculpa, a falta foi minha que não a avisei com antecedência. Eu falo duma maneira bastante audível e não gosto de me repetir. Quando dou uma ordem, espero que seja cumprida, é só. Sem queixas nem lamentos. Percebeu?

– Sim, senhor…

– Então faça o que lhe digo!

A dvida 30

– Abra mais.

A dvida 31

– Assim está bem. Quer um conselho? Não me desafie. Sabe bem porque está aqui e sabe que tenho uma posição a manter. Não posso facilitar, percebe? Quando chegamos a esta idade e damos um aperto de mão a alguém, sabemos que é mais que um simples cumprimento. Do outro lado estão permanentemente a avaliar-nos a força e, sobretudo, a fraqueza. Quando permitimos que nos sintam a mão mole… o futuro será duro, muito duro. Temos que nos voltar a afirmar, é como começar do zero cada uma das vezes… Já não tenho idade para isso, percebe? Resta-me governar pelo exemplo.

A dvida 32

– O seu marido cometeu o mesmo erro que o meu amigo, meteu-se com quem não devia. Ora eu não odeio o seu marido como odiei o meu amigo durante 50 anos. Isso dá-lhe, acredite, a margem de manobra que o separa, pelo menos para já, de aparecer um dia destes a boiar num rio qualquer. Ao pé do meu amigo. Percebe? Então tire as mãos da cona. Quero vê-la.

A dvida 33

– Oh…

A dvida 34

– Então, que tolice é essa? Vá, seque as lágrimas. Uma família só suporta um tolo e na sua essa posição já está ocupada pelo seu marido. A senhora é mas forte do que isso.

A dvida 35

– Está aqui, não está? Isso demonstra como é muito mais valente do que ele. Nós os dois fazemos o que é preciso, porque ele não é capaz. Ele não consegue assumir as consequências da sua irresponsabilidade. Isso deixa-nos a nós, os adultos, a responsabilidade de resolver a questão. Porque na vida temos que ser responsáveis, não concorda?

– Sim, senhor doutor.

A dvida 36

– Então limpe a cara e levante mais a saia. E tire a mão.

A dvida 37

Bello. Agora tire as cuecas.

A dvida 38

– As… cuecas, senhor…?

A dvida 39

– Não me obrigue a repetir, já lhe disse. Não vai gostar da pessoa em que me transformo quando me obrigam a gastar o tempo redundantemente. Vou fazê-lo uma última vez e a partir daí as consequências serão consigo. Percebeu?

– Sim, senhor.

– Então tire as cuecas!!

A dvida 40

– Sim, senhor doutor…

A dvida 41

– Mais devagar…

A dvida 42

– Não tenha pressa, já lhe disse que temos todo o tempo do mundo. Não vamos a lado nenhum enquanto as nossas contas não forem acertadas. E ainda tenho muitos créditos até que esse momento chegue.

A dvida 43

– Isso, tenha calma, relaxe o corpo, abra a alma… Só assim terei um sentimento proporcional de justiça.

A dvida 44

– O quê? Agora não! Diga-lhe que volte noutro dia, hoje não atendo mais ninguém. Sai daqui e fecha a porta!

A dvida 45

– Onde é que nós íamos…?

A dvida 46

– Ah, levante as pernas e abra os lábios! Não se faça de sonsa, os lábios de baixo! Use os dedos.

A dvida 47

– Isso!

A dvida 48

Dio mio… Che bella figa!

A dvida 49

– Tenho que dizer-lhe, senhora: tem dois buraquinhos maravilhosos! Fazem-me sonhar!

A dvida 50

– Toque-se!

A dvida 51

– Isso… Porca miseria, está a tirar-me do sério! Não aguento mais…

A dvida 52

 

A dívida - Parte II

 

Armando Sarilhos

Armando Sarilhos

Armando Sarilhos

O cérebro é o órgão sexual mais poderoso do ser humano. É nele que tudo começa: os nossos desejos, as nossas fantasias, os nossos devaneios. Por isso me atiro às histórias como me atiro ao sexo: de cabeça.

Na escrita é a mente que viaja, mas a resposta física é real. Assim como no sexo, tudo é animal, mas com ciência. Aqui só com palavras. Mas com a mesma tesão.

Críticas, sugestões para contos ou outras, contactar: armando.sarilhos.xx@gmail.com

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