22 février, 2016 Gisberta morreu há 10 anos
Lembrar morte trágica é combater transfobia: 2016 é o #AnoGisberta.
Faz hoje 10 anos que morreu Gisberta Salce Júnior, mulher transexual, imigrante, toxicodependente, seropositiva e trabalhadora do sexo, agredida, torturada e molestada sexualmente por um grupo de miúdos. Lembrá-la é lutar contra a intolerância e a transfobia.
Gisberta tinha 45 anos quando morreu, afogada no fundo de um poço, no Porto, depois de ter sido vítima da maldade de um grupo de jovens, com idades entre os 12 e os 16 anos.
Estes miúdos das Oficinas de São José, instituição que acabou por fechar portas por causa de situações de abuso sexual e de desvio de dinheiro, juntaram-se para "darem porrada na Gi" quando esta ex-beldade da noite gay do Porto já vivia como sem-abrigo, abatida pela dependência de drogas e pela condição de seropositiva, num edifício abandonado.
Foi violentamente agredida e molestada durante três dias, mas morreu por afogamento, depois de os rapazes a terem lançado a um poço, pensando que assim, esconderiam o corpo que já pensavam cadáver.
A transexual que fugiu de São Paulo, no Brasil, aos 20 anos, com medo de uma onda de homicídios de transexuais, acabou por morrer no Porto vítima da mesma transfobia.
10 anos depois, o que mudou?
Volvidos 10 anos depois da sua morte, a sociedade portuguesa registou muitos avanços, mas há ainda muito por fazer.
As pessoas transexuais e o direito à Identidade continua a ser um tema desvalorizado por muitos, não sendo privilegiado em termos legislativos, nem sociais, nomeadamente na área do acesso à Saúde.
Isso mesmo fica patente numa notícia recente do jornal Público sobre o facto de a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) estar a investigar queixas de pacientes da Unidade Reconstrutiva Genito-Urinária e Sexual (URGUS), do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), por aparentes demoras na realização das cirurgias de mudança de sexo.
A verdade é que muitos transexuais acabam por desistir do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e recorrem ao privado, muitas vezes, forçadas a pedirem empréstimos aos Bancos para pagarem as operações.
A transfobia e as discriminações associadas continuam também, bem presentes na nossa sociedade, embora o tema comece a ser tratado por alguma comunicação social com um cunho mais humanista e lúdico do que meramente sensacionalista.
O direito à auto-determinação e à Identidade plenas das pessoas transgénero estão longe de garantidos.
A luta prossegue naquele que é assinalado como o #AnoGisberta pela Acção pela Identidade.
Lembramos de seguida alguns testemunhos sobre a morte de Gisberta porque lembrar é combater, esquecer é omitir...
Roberta Kinsky, artista de Transformismo (site Dezanove)
"Conheci a Gisberta há 30 anos no Kilt, onde é actualmente o bar INVICTU’S. Era uma pessoa que sorria à vida.
A morte [...] deixou-me chocado, revoltado até porque a Gi era uma pessoa que sempre conheci como pacata.
Muito francamente acho que a sua morte despertou a consciência nos meios LGBT e simpatizantes, mas de resto não considero que tenha alterado nada a percepção das pessoas do meio heterossexual.
A meu ver a evolução nas questões T tem sido lenta. Antes de mais, é preciso tratar as pessoas com o devido respeito. O que a sociedade precisa mesmo é de educação em vez de programas de televisão de baixo nível como os reallity shows porque a imagem é uma ferramenta poderosa.
Considera a Gi uma imagem do que acontece a várias Gisbertas por este mundo fora. Devemos relembrar sempre a sua morte, até para não nos esquecermos de que é na diversidade que está a humanidade.
Qual a melhor imagem que tenho dela? Um sorriso enorme e a fazer de Marilyn Monroe no tema “Diamonds are a Girl's Best Friends”."
Júlia Mendes Pereira, activista transfeminista e cientista cultural (site Dezanove)
"Eu tinha apenas 15 anos quando a Gisberta foi assassinada. [...] mas o que senti foi, sobretudo, medo.
Os assassinos de Gisberta eram um grupo de jovens adolescentes, com mais ou menos a minha idade. Podiam ser os meus colegas de turma, que me insultavam, chamavam nomes, cuspiam em cima, atiravam pedras. A Gisberta podia ser eu, se não naqueles dias, um dia mais tarde. Nunca ficaria a salvo.
Durante muitos anos da minha vida, não havia local onde eu me pudesse sentir segura. Nem em casa com a minha família, que negava a minha identidade; nem na escola, com os amigos que não tinha, os colegas e professores que não me respeitavam. Gisberta fez-me ter medo que isso nunca terminasse. Será que nunca vai terminar?
Hoje tenho 25 anos, e tenho cada vez menos medo. Pelo menos, medo de errar.
Só quem aprende com os erros, pode avançar. Mas demasiada gente teima em não avançar. Fazer de 2016 o #AnoGisberta é, de facto, voltar a contar a História, dando destaque a quem devia ter voz e não a teve, a quem sofreu e sofre opressão de ambos os lados."
Lara Crespo, transexual lisboeta (blogue Lara´s Dreaming)
"Em jeito de esperança, apesar de ténue, espero que 2016 traga algo de melhor para a vida das pessoas trans em Portugal. Já chega de tanto preconceito, de tanto ódio, de tanta discriminação, de tanta transfobia.
Que a transfobia que matou Gisberta não se repita e que todas nós lutemos para que este mundo seja um melhor lugar para viver. Sei que estas esperanças não serão, muito provavelmente, transformadas em realidade, mas não se pode desistir.
A transfobia corrói, magoa, mata. Nunca se esqueçam disto. "
- Caitlyn Jenner é a brasa do momento!
- E você, consegue ver para lá dos rótulos?
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Gina Maria
Jornalista de formação e escritora por paixão, escreve sobre sexualidade, Trabalho Sexual e questões ligadas à realidade de profissionais do sexo.
"Uma pessoa só tem o direito de olhar outra de cima para baixo para a ajudar a levantar-se." [versão de citação de Gabriel García Márquez]
+ ginamariaxxx@gmail.com (vendas e propostas sexuais dispensam-se, por favor! Opiniões, críticas construtivas e sugestões são sempre bem-vindas)