11 mai, 2023 A bibliotecária
Podem pensar na vida duma bibliotecária como a mais boring das vidas. É porque não sabem o que está por baixo do vestido.
L. levantava-se da cama, fazia os seus despejos, cuidava das suas lavagens e voltava à mesinha, onde estava o estojo. Era uma caixa rectangular, de veludo preto, e dentro continha as suas “introduções” do dia-a-dia.
Até à noite tirava-os as vezes que fosse preciso, em casas de banho quase sempre. No resto do tempo, caminhava com ambos alojados nos dois orifícios mais expectáveis da carícia sensual: um dildo na vagina e um plug no ânus.
Levava-os para todo o lado, reféns do seu destino pelo músculo do desejo, assim como pelo elástico das cuecas. Ambos vibratórios, mas em velocidade reduzida, orquestrando uma sinuosa microdosing de tesão.
As descargas sexuais de L. eram sempre uma soma, um acumulado de horas de sensações crescentes. Nunca uma coisa repentina.
No resto, alimentava o desejo com a fauna e flora em seu redor, com o que lia e com quem via na biblioteca.
Homens, mulheres, transgénero, no códice de L. eram todos seres sexuais, físicos ou mentais, excitantes cada um à sua maneira.
Quanto às estantes da biblioteca, nelas moravam os humanos mais erógenos de todos: os grandes pensadores!
L. tinha à sua disposição um leque infinito de correntes e tendências científicas, artísticas e filosóficas. Tudo ali ao virar da página. Não admirava que chegasse a casa com as cuecas ensopadas, a pingar pelas meias abaixo e a cheirar a galinha acabada de depenar, regada com água quente. Quase se vinha só de sentir o próprio fedor.
O duche redimia-a, lavava-a de todos os delírios e secreções do dia. Só lhe ficava o que aprendia.
Antes de dormir, devolvia zelosamente os seus “amantes” ao estojo negro de veludo, a caixa luxuosa onde os aprisionava. Só os lavaria na manhã seguinte, nas lavagens matinais, para manter no invólucro os eflúvios originais da sua languidez, da sua essência feminina.
Muitos achariam o cheiro ostensivo, e talvez o fosse. Para L. era o “seu” perfume.
Dormia com eles sobre a mesinha de cabeceira. Gostava de senti-los perto.
L. dominava com superior perícia a sua rotina. Nada lhe desmanchava um cabelo ao dia. Nenhum toque alheio se chegaria tão próximo a ponto de lhe despentear o estar.
Vivia uma vida plena assim mesmo, de satisfação intermitente que, precisamente, a completava.
No dia X, aconteceu a L. o que L. não esperava. Uma imprevidência. Um impensável. Uma inevitabilidade.
Conheceu alguém que lhe acelerou as pulsações e, num acto contínuo inexplicável, filosófico-mecânico, ou telecinético talvez, a velocidade das suas vibrações…
Habituados a massagens lânguidas, sentiu os buracos a estilhaçar. Mais propriamente, a cona a aspergir e o cu a dilatar... Era como se lá dentro os dois amantes-cibernéticos de repente tivessem ganho o dobro do tamanho.
L. jura que nunca tocou no botão. A verdade é que se desmanchou toda, para o mundo inteiro ver…
A manhã até tinha começado bem a L. Acordou bem disposta e teve o primeiro orgasmo por volta das dez, antes de ir ao pequeno-almoço. Isso era bom porque chegava mais calma à cantina e comia melhor. De contrário podia ficar irritadiça e o corpo pedia-lhe açucares, acabava por só comer porcarias.
Mas nesse dia sentia-se fascinada com o mundo, o das letras, o dos corredores, e o dos corredores onde pessoas excitantes devoravam letras.
Antes da uma da tarde já tinha chegado aos segundo e terceiro orgasmos. Foi no seu cantinho particular, em dose dupla, como são os melhores, e ela ajudou com os dedinhos ao de leve na crista do clitóris e apertando os bicos dos seios sobre a camisa. Queria ir almoçar descansada.
Antes da sobremesa pediu desculpa e afastou-se para um canto do pátio, fingindo fumar um cigarro, e veio-se outra vez, desta vez sem precisar de fazer nada. Veio-se pelas pernas abaixo como um bicho a urinar.
Ate à hora do lanche precisou de ir duas vezes à casa de banho, o que não é bem visto pela empresa, mas não conseguiu adiar. Estava a ser um daqueles bons dias, que são muito mais raros do que os outros. Dias assim, de idílio sexual, não eram negociáveis para L., não importavam as consequências.
Até que chegou a hora H do dia X.
Ele entrou às 17, mal ela voltou do lanche, e não demorou mais que uns minutos até ao colapso. É pelo menos o que consta do relatório das testemunhas.
No diploma ele é nomeado quase unanimemente como “um bruto”, mas terá sido uma impressão injusta. Segundo o próprio, ele apenas perguntou se L. lhe poderia recomendar um livro. E L. apenas o levou para um corredor, que o caso quis que fosse o beco recôndito da secção dos autores obscuros.
Os obscuros mexiam sempre com ela. E depois ele teve bom nariz... Discerniu perfeitamente, no abafado do sítio, o cheiro a cona esporrada de L., que se tinha vindo o dia inteiro. Daí ele querer tocar-lhe, foi um acto irreflectido mas fê-lo, ficou provado, chamem-lhe insanidade temporária, porque nunca conscientemente ele abordaria assim uma mulher, não era nada a sua natureza, mas o cheiro, senhor doutor juiz, o cheiro…
O cheiro a cona condensada, esporrada o dia inteiro, as meias empapadas de crostas escorridas da racha, toda suada por baixo da camisa, que criatura seria capaz de resistir, senhor doutor juiz, diga-me uma?!
O juiz não conseguiu e ilibaram-no justamente, mesmo que obviamente tenha mentido. Claro que a penetrou e não sem força. Não aguentou a visão das duas cavidades escancaradas. Atiçou-se a ela e ela respondeu.
Foderam na cona e depois foderam no cu, e ela que era toda não-me-toques adorou cada minuto. Veio-se quando ele lhe esguichou para as mamas e começou a espirrar aos soluços da cona, até o cu participou com uma salva de peidos que pareciam bolas de sabão.
Em todo o caso, a culpa dele jamais pagaria o desgaste na imagem de L., sóbria bibliotecária, senhora de engomar os dedos antes de mexer numa obra clássica.
Observá-la assim, toda descomposta, de saia arregaçada, o cu no chão a tremer, a fazer tremer o chão, e de repente ver ejectados dos buracos carnais as duas sondas que neles carregava desde a tenra manhã...
Diga-me uma criatura capaz de resistir, senhor doutor juiz, diga-me uma!
Foi tão rápido que só se sentiu o fedor a passar...
Eu mal lhe toquei, senhor doutor juiz, foi ela que explodiu, malfunction...
A cona a espirrar enquanto L. gemia e guinchava como uma fera aprisionada, depois do lanche, hora agitada, toda a gente a ver...
Foi ela que explodiu, senhor doutor juiz, diga-me uma…
A explosão do Eros...
O cheiro entrou nos narizes dos espectadores como um bálsamo atordoante. E foi aí que aconteceu, o golpe final, a queda do império, o momento fulminante – fulgurante!
Não ficou nos autos nem foi referido nos trâmites, mas garante quem conhece quem esteve lá que todos eles, sem excepção, se masturbaram como animais enquanto assistiam impunemente ao delito, e que durante mais de 25 minutos ninguém se preocupou que o outro o visse nessa assembleia de Dante, eles com os mangalhos de fora, elas com os dedos dentro, velhos e novos, tudo à punheta como se estivessem atrás dum ginásio...
Só quem limpou sabe as nódoas que tiraram das alcatifas, já para não falar do restauro de algumas lombadas e obras raras.
Como desfecho, as punhetas ficaram fora da jurisprudência e nunca mais se falou no caso, que todas as partes beneficiavam que se abafasse.
Pensou-se que, depois do “incidente”, L. não mais quisesse ser vista nos corredores literários que agora honravam o seu deboche. Enganaram-se. Mais do que nunca esse passou a ser o seu cantinho. O cantinho onde se sentava com os seus amantes preferidos, enterrados em ambos os buracos lúbricos, um dildo na cona, um plug no cu, eles os dois e os obscuros, todos em velocidade de cruzeiro vibratório a.k.a. microdozing da tusa filosófica estratosférica…!
Aquele canto que agora tresandava a cona, que cheirava a ela, que agora tinha o “seu” perfume.
Propuseram a L. transferi-la para o arquivo, para sua protecção pessoal. Recusou liminarmente. Jamais L. abandonaria a sua biblioteca. Nunca como na sua biblioteca L. se sentira tão apaixonada por si própria.
Ali ocorreu, no dia X, a maior transformação que alguma vez se operou dentro de si. E no entanto, nada mudou na sua vida. No dia Y ou Z, para L. a sua vida era perfeita.
Armando Sarilhos
Armando Sarilhos
O cérebro é o órgão sexual mais poderoso do ser humano. É nele que tudo começa: os nossos desejos, as nossas fantasias, os nossos devaneios. Por isso me atiro às histórias como me atiro ao sexo: de cabeça.
Na escrita é a mente que viaja, mas a resposta física é real. Assim como no sexo, tudo é animal, mas com ciência. Aqui só com palavras. Mas com a mesma tesão.
Críticas, sugestões para contos ou outras, contactar: armando.sarilhos.xx@gmail.com