01 Junio, 2021 Existências: ajudar sem criticar para melhorar vida dxs trabalhadorxs do sexo
Mais uma reportagem do Especial Associações que prestam apoio a trabalhadorxs do sexo.
A Existências é a associação em destaque, neste mês de junho, no âmbito do Especial Associações sobre as entidades que prestam apoio a trabalhadorxs do sexo. Vem descobrir como esta IPSS presta apoio a quem faz Trabalho Sexual.
A Associação Existências é uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) que existe desde 2004, em Coimbra, com foco na prevenção e no rastreio do VIH/SIDA e de outras Infeções Sexualmente Transmissíveis (IST).
A sua atuação no terreno tem como foco trabalhadorxs do sexo (TS) e seus clientes, mas também homens que têm sexo com homens, populações migrantes, utilizadores de drogas, sem-abrigo e membros da comunidade LGBTI.
No trabalho com estas populações, o mais importante é "estabelecer relações de confiança", como destaca o presidente da Existências, o assistente social Paulo Anjos, na conversa com o Classificados X.
A filosofia da associação assenta na ideia de ir ter com as pessoas, até porque "é mais difícil" a comunidade de TS deslocar-se às suas instalações, seja por "não conhecerem bem a cidade" ou por questões de "comodidade", como refere ao X a vice-presidente da Existências, Maria Lobo que é psicóloga.
Esta responsável trata de notar que a associação já tem "um trabalho de alguns anos" e, por isso, há "muitas pessoas com confiança" nxs técnicxs.
"Não estamos para criticar, só para ajudar”
A "principal dificuldade" que xs técnicxs encontram, quer em contexto de rua, quer de apartamentos ou casas, é que "nem sempre é fácil" conseguir falar "de forma individual com as pessoas, para perceber as dificuldades que possam ter", realça Maria Lobo.
Mas também é difícil intervir em "alguns clubes" que "não nos querem lá", destaca ainda Paulo Anjos. São situações que podem estar relacionadas com casos de imigrantes em situação ilegal e, portanto, existe algum receio de que sejam denunciados às autoridades.
"Nós não temos nada a ver com isso, antes pelo contrário, o nosso interesse é garantir às pessoas que fazem Trabalho Sexual, seja ele qual for, as melhores condições de segurança, nomeadamente para que possam ter práticas mais seguras e a distribuição de material informativo ou preventivo", reforça Paulo Anjos.
"De resto, não temos a pretensão de retirar ninguém deste trabalho", diz ainda o presidente da Existências, notando que a associação só quer "alterar as condições de saúde das pessoas", para que tenham uma vida melhor.
"Não estamos para criticar, nem para tentar condicionar as pessoas e o comportamento delas. Estamos sempre, na medida do que seja possível, para ajudá-las", reforça o assistente social.
Poucos casos de covid-19 entre trabalhadorxs do sexo
A pandemia de covid-19 veio dificultar o trabalho de todas as associações que prestam apoio social, mas a Existências manteve-se sempre no terreno, prosseguindo inclusive a intervenção na rua.
Na rotina diária, o maior desafio prendeu-se com o facto de haver quem resistisse ao uso de máscaras, aquando do contacto com xs técnicxs. Mas tem sido possível "superar isso calmamente", reforça Paulo Anjos.
Além disso, "não temos tido conhecimento de muita gente, mesmo os sem-abrigo, os utilizadores de droga ou TS, que tenham ficado infetados com covid e, portanto, isso é uma boa notícia", salienta o assistente social, realçando que têm "conseguido combater essa doença".
Maria Lobo repara que a pandemia trouxe "mais pedidos a nível de apoio social" devido a "dificuldades económicas" e a solicitações de "bens alimentares".
Nesses casos, a Existência tem trabalhado em articulação com as instituições locais, desde Juntas de Freguesia a associações que possam ajudar, uma vez que não presta diretamente apoio económico.
A "ponte" entre os infetados com VIH e o SNS
Um dos projetos mais mediáticos da Existências é o Adão e Eva que está focado na prevenção do VIH/SIDA, tendo como principais alvos xs TS e os homens que têm sexo com homens.
Mais recentemente, a associação lançou o projeto Etapas Positivas, aprovado pela Coordenação Nacional para a Infeção VIH/SIDA, que tem como foco pessoas infetadas com o vírus que se dedicam ao Trabalho Sexual ou são homens que têm sexo com homens.
No Etapas Positivas, o apoio pode ser psicológico, mas também pode passar pelo "acompanhamento da medicação" e pelo encaminhamento para consultas no hospital, salienta Paulo Anjos.
Maria Lobo reforça que a Existências também faz a "ligação aos cuidados de saúde” nos casos de "pessoas que vêm de outros países" e que "já têm o diagnóstico e estão a fazer medicação, mas não têm ainda acesso" ao Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Portanto, a associação é "a ponte" entre as pessoas e o SNS.
Neste âmbito, a Existências tem protocolos com a Administração Regional de Saúde do Centro, com o Centro de Saúde Fernão Magalhães, em Coimbra, com o Serviço de Infeciosas do Centro Hospitalar Universitário daquela cidade e com o Hospital Infante D. Pedro, em Aveiro.
As pessoas que tenham rastreios reativos de VIH ou hepatites B e C, ou seja, que tenham resultados positivos para estas infeções, podem ser encaminhadas para esses serviços.
Infeção com VIH ainda cria "muitos receios"
Atualmente, o VIH/SIDA já é visto como uma doença crónica, fruto da evolução na medicação que permite controlar a infeção. Mas, apesar disso, ainda existe "um estigma que condiciona a vida das pessoas, mesmo em termos de relações amorosas", como relembra Maria Lobo ao X.
Paulo Anjos fala em particular das "questões laborais", evidenciando que os empregadores desconhecem e as pessoas têm medo de ser descobertas.
Mas a nível do trabalho sexual, "é uma questão que pode fazer crescer muitos receios", destaca Maria Lobo, notando que "a maior parte das pessoas que têm a infeção tentam que as pessoas com quem estão não saibam".
Até porque "a informação passa" e, "hoje em dia, com o WhatsApp" e outros meios digitais que facilitam a comunicação, depressa se pode espalhar que determinadx TS está infetadx, vinca a psicóloga.
Um dos receios dxs TS seropositivos é serem impedidos de aceder a apartamentos ou casas para poderem fazer o seu trabalho.
Apoio na inscrição de imigrantes ilegais no SNS
Mas além do apoio no âmbito do VIH/SIDA, a Existências também facilita o acesso a consultas na área do planeamento familiar, entre outras.
Além disso, no caso de pessoas em situação de imigração ilegal, dá "o apoio para inscrição em função da possibilidade de documentação e da situação", como vinca Maria Lobo.
No caso do VIH, mesmo pessoas sem o cartão de utente do SNS, são encaminhadas para consultas em hospital e acesso à medicação "porque têm direito a isso", salienta a psicóloga, frisando que é "importante que comecem a ter acompanhamento" o quanto antes.
Nesses casos, a Existências procura garantir a inscrição das pessoas no SNS "ao abrigo dessa condição de saúde", com a indicação de que precisam de "cuidados urgentes e vitais".
"Embora os hospitais não neguem o atendimento, nem a medicação, depois há as questões burocráticas" que é preciso salvaguardar, como nota Maria Lobo ao X. É que, sem inscrição no SNS, os hospitais "cobram às pessoas o dinheiro das consultas e dos exames", acrescenta Paulo Anjos.
"Alguém tem de pagar aquilo, se não for o SNS, tem de ser a pessoa", realça o assistente social. E os "encargos podem ser elevados", recorda Maria Lobo.
Contudo, "às vezes, esses processos são muito complicados", destaca o presidente da Existências, reforçando que há "um entrave grande à situação dos imigrantes". "Quando não estão legalizados, há uma resistência por parte dos serviços e de toda a gente em recebê-los", atesta Paulo Anjos.
"Subida do VIH" nos próximos anos
Uma das grandes componentes do trabalho da Existências passa pela realização de rastreios ao VIH e a outras ISTs. Estes testes são feitos de forma gratuita e confidencial nas instalações da associação, mas também nos apartamentos e casas que xs técnicxs visitam.
Além disso, também fazem rastreios em espaços universitários, em parceria com a Associação Académica de Coimbra, bem como outras ações para a comunidade em geral.
O último relatório da Direção Geral de Saúde (DGS) sobre a situação do VIH/SIDA em Portugal, divulgado em 2020 e com dados de 2019, reporta que foram diagnosticados 778 novos casos de infeção, ou seja, menos 331 do que em 2018.
Esta redução no número de infetados detetados pode ser um sinal de "uma tendência descendente do VIH", como repara Paulo Anjos.
"Teremos atingido já o escalão dos 90-90-90", ou seja, "90% dos casos de VIH identificados, 90% desses casos acompanhados pelos cuidados de saúde e 90% em tratamento", explica o assistente social.
Contudo, "nestes próximos anos, provavelmente, vai-se observar uma subida, ainda que ligeira, do VIH", prevê o presidente da Existências, até vincando a "menor capacidade de rastreio" que está a ser motivada pela pandemia.
"Isto torna mais premente a capacidade de nós fazermos rastreios e de identificarmos as pessoas que têm VIH" e que não sabem ter a infeção, nomeadamente entre trabalhadorxs do sexo, acrescenta o presidente da Existências.
"Há uma reserva ainda grande de pessoas que têm VIH e não estão medicadas", aponta também Paulo Anjos. Até porque há uma população mais velha que nunca fez rastreios e que pode ter o vírus sem o saber.
O assistente social frisa em especial os casos de "homens com mais idade" que procuram TS e que são "mais resistentes à utilização do preservativo e têm menos cuidados no ato sexual".
Assim, pode haver casos escondidos de infeção entre "pessoas que não estão preocupadas, ou escondem ou não sabem, ou não querem saber" e que podem só vir a confirmar o pior diagnóstico "quando já estão numa fase adiantada" da doença, analisa ainda Paulo Anjos.
Associação está a chegar a Viseu
A formação profissional é outro vetor da atuação da Existências, nomeadamente com a capacitação de pessoas em risco de exclusão social ou em situação vulnerável. Neste âmbito, a associação procura incluir algumas das pessoas que já apoiam, por exemplo TS, como atesta Maria Lobo.
Em termos de futuro próximo, a Existências está empenhada na expansão dos seus serviços para Viseu, onde já tem em marcha um projeto de "intervenção em contexto de recriação noturna", focado no consumo de álcool e drogas. A ideia é a "redução de danos" para que as pessoas "consumam de forma mais informada e mais adequada", explica Paulo Anjos.
A próxima meta é ampliar também a componente dos rastreios ao VIH e outras ISTs para Viseu, bem como o apoio mais alargado a trabalhadorxs do sexo.
Contactos da Associação Existências
Morada: Avenida Emídio Navarro, n.º 81 – 2.º A, 3000-151 Coimbra
Horário: 2ªfeira a 6ªfeira, das 09:30H às 12:30H e das 14H às 19H
Telefones: 239 837 033 / 965 592 651
Email: a.existencias@gmail.com
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Especial Associações - Anda conhecer melhor quem apoia trabalhadorxs do sexo:
Gina Maria
Jornalista de formação e escritora por paixão, escreve sobre sexualidade, Trabalho Sexual e questões ligadas à realidade de profissionais do sexo.
"Uma pessoa só tem o direito de olhar outra de cima para baixo para a ajudar a levantar-se." [versão de citação de Gabriel García Márquez]
+ ginamariaxxx@gmail.com (vendas e propostas sexuais dispensam-se, por favor! Opiniões, críticas construtivas e sugestões são sempre bem-vindas)