11 April, 2018 O consultório sentimental da revista Maria
O nosso primeiro Kamasutra.
Antes da internet, dos sexólogos e das bloggers entendidas em fodanga, o consultório sentimental deste clássico da literatura das donas de casa serviu de guia à iniciação da terminologia sexual de muito boa gente.
Contudo, a coisa começa logo mal quando se decide usar o nome “consultório sentimental” num espaço dedicado a dúvidas sobre sexo. Para que não restem dúvidas, sexo e sentimento é como arroz e feijão: muito bom quando se junta, mas também se mata a fomeca um sem o outro (fome de sentimento ou fome de sexo). O nome deveria ter sido “Dúvidas da Foda”. Assim. Directo e sem papas na língua. E o logótipo deveria ser um enorme caralhão teso, cheio de veias a pulsar, porque me parece que é algo que quem respondia àquela merda nunca viu na vida. Raramente os conselhos abordavam o cerne da questão. Problema de tesão? “Vai ter de falar com o seu companheiro para o entender”. Problema de falta de interesse sexual do parceiro? “Vai ter de falar com o seu companheiro para o entender”. Foder que é bom e resolvia mais de metade dos problemas é que não se dizia para fazer.
Toda a linguagem e terminologia usada era tal e qual se estivesse numa consulta com o ginecologista. Não havias conas, havia vaginas. Não havia caralhos, havia pénis. Não havia foder, havia relações sexuais. As duas únicas posições que aqueles “entendidos” conheciam era missionário e missionário mas do lado contrário da cama. Não me lembro de alguma vez ter lido canzana naquela rubrica. No entanto, o pessoal também não ajudava. A verdade é que 90% das perguntas eram de merda. Não sei em que parte do país é que todos fodem com os irmãos e têm filhos, mas eram estes últimos quem escrevia para o consultório sentimental da revista Maria. Perguntas de merda que nem um adolescente cuja palma da mão se assemelha a um pé de uma velha se lembrava de fazer. Corre por aí aquela muito conhecida do “Vesti as cuecas do meu namorado. Será que estou grávida?”. Pessoalmente, não sei se isto é verdade, mas encaixa-se perfeitamente no nível de QI sexual das pessoas que para lá escreviam.
E isto foi tudo antes da era dos computadores, entendem? As pessoas escreviam as cartas à mão, foda-se. A quantidade de tinta gasta a escrever dúvidas de merda é simplesmente inacreditável. Era tudo muito clean. Não havia cá cenas a três, gangbangs ou BDSM. Ninguém tinha fetiches, taras e manias. Os problemas do português comum leitor da Revista Maria eram, na sua maioria, “ela não quer mamar no narso” ou “ele não quer mamar na senaita”.
Tomei a liberdade de redigir uma espécie de resposta-tipo para aqueles que não estão recordados:
“Caro Vitor B. de Ermesinde
É perfeitamente normal que a sua companheira não queira executar sexo oral e não é indicador de que haja um problema ou sequer que os sentimentos dela por si tenham diminuído. Tente falar com a sua companheira e exponha os seus sentimentos de forma aberta, honesta e frontal. Irá ver que ela também poderá fazer o mesmo e juntos chegarão a um entendimento comum”.
Se fosse eu a responder:
“Caro conas de Ermesinde
Se a gaja não quer mamar no narso, então só tens de lhe dizer que vais procurar quem queira. Mesmo a pagar. Mas se isso parecer muito radical, a minha sugestão é apanhares a gaja a dormir e – com jeitinho – dares-lhe umas “chapadinhas de pila” nas bochechas enquanto dizes “acorda, trouxe o pequeno-almoço à cama". Boa sorte!”
Digam lá se não está melhor.
Noé
Trintão miúdo de coração ao pé da boca. Perdido em fantasias concretizadas e concretizáveis apenas preso por amarras do anonimato. Relatos passados de opinião libertina é um santo pecador por excelência.