04 November, 2023 Adição e Recuperação
Como e porque acontece este ciclo vicioso?
A adição é caracterizada como uma doença que não tem cura pelo Ministério da Saúde. É uma doença incurável porque não se sabe muito bem a origem e como acontece no cérebro. A armadilha dá-se quando se utiliza a doença da adição para justificar os comportamentos ao longo da recuperação.
Um dos exemplos mais comuns que se dá é este:
Imagine um grupo de amigos que sai à noite e todos bebem. Passadas umas horas, uns sentem sono e querem ir para casa enquanto os restantes ficam eufóricos e querem ir pela noite dentro. Os restantes têm uma predisposição à adição!
Outro fator é que adictos com muitos anos de recuperação acabam por recair. Recaídas com muitos anos tornam-se fatais, pois o corpo está desabituado das drogas. Mas o adicto decide consumir a mesma quantidade que consumia há anos! O corpo não aguenta tal violência!
O adicto é burro? Não! Simplesmente, antes de recair já está disfuncional e a recaída é apenas uma consequência dessa disfuncionalidade, ou depressão, que não foi abordada rapidamente e de forma honesta.
Às vezes, e agora vou mais além - “beyond adiction”. Passam anos e anos a conviver com outros adictos, a ouvir as mesmas histórias, a dizer as mesmas coisas e a ajudar anos a fio, e, mais uma vez, de forma compulsiva e obsessiva outros adictos que entram em recuperação. Complexo de Deus!
Acabam por criar uma falsa aparência, status. Isso faz com que, quando entram em depressão, não pedem ajuda para poderem manter o status e esquecem-se que são a pessoa mais importante. O estar sempre a olhar para e pelos outros faz com que se deixe de olhar para si mesmo.
A recuperação deve abranger todas as vertentes da vida, pois os adictos podem ajudar adictos, mas as pessoas ditas normais podem também dar conselhos bons que se tornam muito proveitosos. E até mesmo, por vezes, têm uma nova perspetiva muito mais simples, visto que os adictos têm a mania de complicar as coisas simples. Isolarem-se e validarem só a ajuda de outros adictos com a falsa crença: “aqui é que me compreendem, pois, o mundo lá fora não sente como eu”, pode fazer com que o adicto não cresça emocionalmente.
Se virmos bem é como voltar de novo ao bairro de consumo – adictos no ativo dão-se apenas com outros adictos no ativo. Adictos em recuperação, dão-se apenas com adictos em recuperação. Permanecem num grupo vários anos para depois irem permanecer em outro grupo vários anos.
A doença da adição
Diz-se que é fulcral a aceitação desta doença. Diz-se no que se lê e de quem interpretou isto sem ter pensamento crítico. A aceitação desta doença vem com o primeiro passo, que é basicamente o adicto ou alcoólico admitir que tem uma doença que o leva à destruição, e sendo assim o melhor será entrar em recuperação.
Mas onde é que está aqui a armadilha nesta frase?
A armadilha dá-se quando se utiliza a doença da adição para justificar os comportamentos ao longo da recuperação.
“Eu agi, fiz, disse, porque estou muito doente... Eu agi, fiz, disse, porque foi esta doença que me fez fazer, dizer, agir... Eu continuo a ser muito doente... Eu sou doente...”
Não parece uma coisa tipo BDSM, onde o submisso diz à dominatrix “eu nada valho”? A mim parece-me, e enquanto não acho o termo melhor para isto, fico com este!
Adictos com pensamento crítico acabam por ressentir a doença da adição, e é mais:
“Que merda! Volta e meia entro em comportamentos compulsivos e obsessivos que me levam a adições cruzadas. QUE GRANDE MERDA!”
Parece também punição, mas não é, pois, estes adictos acabam por estar mais atentos aos seus comportamentos e como ressentem a doença, acabam por pedir ajuda, tipo, JÁ, para reverter o processo, “voltar a si”, e ir para a solução. Não se permitem a ter mais que três meses no problema, no comportamento desviante, ou agir de forma compulsiva e obsessiva.
Reformulando isto, a doença está lá e vai estar, sabe-se que se fizerem um novo gelado XPTO, e se o adicto gostar, vai comer daquele gelado de forma compulsiva e obsessiva até ao dia - que pode demorar! - que começar a ficar enjoado. Não é expressão, é fato! A sentir mesmo enjoo!
Um adicto que ressente esta doença. Acaba por só comer o gelado duas semanas e acaba logo com a história porque para além da doença da adição, tem uma consciência que lhe avisa do disparate que está a fazer e de como esse gelado pode fazer mal ao seu organismo. Sendo assim, e mesmo querendo muito o gelado, começa a autodisciplinar-se para parar.
Mas há adições cruzadas, como por exemplo – compras, jogo, comida e afins, que também precisam de ajuda como se de uma droga se tratasse. O que todos têm em comum é um vazio que tem de ser sistematicamente preenchido com algo. É como um buraco que se tem dentro de si – a sensação que falta algo e não se sabe bem o quê.
Esse vazio faz com que se entre nesta compulsão e obsessão de uma tentativa desesperada de o preencher. Funciona durante o ato! Quando o indivíduo usa qualquer alterador de humor, seja drogas, álcool, compras, sexo, jogo, etc.... Acaba por sentir aquela euforia/adrenalina que eu falava mais acima. Após isso, cai à terra, e agora o buraco está maior!!!!
Agora não é só o buraco de faltar qualquer coisa, mas sim a culpa e vergonha do dinheiro que gastou em coisas que não precisa, do sexo que fez com gente que nem gosta, do uso de drogas para aliviar os sintomas e da deceção que isso traz para si e para a sua família, com o começar a engordar por causa da comida e isolamento social porque fica com vergonha de estar gorda(o), etc....
Então, o que acontece? Para não sentir o buraco maior, repete tudo de novo!!!!! INSANIDADE, NÃO É? Cometer os mesmos erros à espera de resultados diferentes! Os adictos em recuperação acabam por cometer o mesmo erro. Vão aos grupos de apoio e partilham para poderem sentir o alívio imediato que traz uma partilha e, inconscientemente, para pedirem o perdão e a aceitação de outros. Após isso, repetem!
Que buraco é este??? O que me atormenta há anos? Perguntam vocês...
Eu chamo-lhe A ORIGEM / O MAIS LINDO DOS SEGREDOS BEM GUARDADO.
Esse buraco deriva de traumas de infância, adolescência, ou até casamentos, falta de afeto, má parentalidade, mas o mais provável é o abandono. Tudo que faltou na infância deixou o BURACO, o VAZIO que nada nem ninguém consegue preencher. Surreal.
Então, o que pode fazer?
Pode continuar a repetir tudo durante anos até à sua morte, drenando-se a si mesmo e aos outros à sua volta, passar pelo espelho e evitar de se olhar nos olhos, mas ao mesmo tempo a tirar mil selfies por dia, para postar na tentativa que outros comentem e lhe digam aquilo que gostava de ouvir, mas é incapaz de sentir acerca de si mesmo.
Ou mais fácil ainda, mais rápido: pode pedir ajuda a um psicólogo que a vai desmontar devagarinho e levá-la a mais bela descoberta da sua vida – a descoberta de si mesmo! Ah, e quando você começar a se descobrir, também vai-lhe dar adrenalina, mas desta vez irá ser uma adrenalina aplicada para construção e não destruição do seu ser.
É aqui que também falha a recuperação, quando um grupo de adictos em recuperação acha que se não saírem um pouco da comunidade e pedirem ajuda específica, é isso que lhes salva a vida! Mantém-nos de facto em recuperação, mas continuaram a viver com o vazio não resolvido e a partilhar para aliviar e para pedir perdão como se de uma penitência se tratasse!
Não é exatamente o mesmo do passado:
- Mãe, dá-me dinheiro porque tenho dores da ressaca – eu estou doente!
- Se não tiveres dinheiro, caguei e andei, vai, mas é arranjar para mim – porque eu tenho uma doença!
Após o consumo:
- Mãe, desculpa – eu sou doente, peço perdão!
REPETIR...
É tudo por agora...
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Um blog abesbílico, de alguma escrita ideográfica, sobre tudo e sobre nada.