23 janeiro, 2017 Modelo belga sai do armário como intersexual
Hanne Gaby Odiele revela a sua história para evitar casos como o dela.
Poucas pessoas esbanjam tanta confiança natural como as modelos. Elas até podem fingir muito bem! Mas parecem absolutamente seguras de si, com uma atitude poderosa. Isso tudo emana de Hanne Gaby Odiele, apesar do segredo que a marca desde os 10 anos...
Quebrar o tabu da intersexualidade
A modelo belga Hanne Gaby Odiele anda nisto do "jogo da moda" a sério, participando em desfiles de algumas das marcas mais conhecidas em todo o mundo. Mas o seu nome surge agora, no topo das notícias porque ela assumiu que é intersexual.
"É muito importante para mim, na minha vida agora, quebrar o tabu. Neste momento, nesta altura e neste tempo, deveria ser perfeitamente aceitável falar sobre isto."
As palavras da modelo são partilhadas numa entrevista que a Vogue publica na edição deste mês e o seu objectivo, como ela afirma, é dar visibilidade à realidade dos intersexuais.
O que é a intersexualidade?
A intersexualidade não tem nada a ver com ser transgénero, ou seja, alguém que não se identifica com o sexo com que nasceu. As pessoas intersexuais caracterizam-se por ter uma anatomia reprodutiva ou sexual que não encaixa na típica definição que temos como aceite de mulher ou homem.
Os interssexuais podem ter um físico mais parecido com uma mulher, mas serem anatomicamente mais semelhantes a um homem, podem ter órgãos genitais com características masculinas e femininas e até ter células com cromossomas XX e algumas com cromossomas XY.
No caso de Hanne Gaby Odiele, ela nasceu com o Síndroma de Insensibilidade Androgénica ou feminização testicular, o que significa que ela tem cromossomos XY, típicos dos homens.
Este Síndroma não permite o desenvolvimento do pénis no feto, nem tão pouco o desenvolvimento de outras características sexuais masculinas.
Ela nasceu com os testículos recolhidos, o que quer dizer que não desceram para o escroto após o nascimento, como ocorre normalmente, com os bebés masculinos até aos 3 meses de idade.
No caso de Hanne, os seus testículos foram-lhe removidos cirurgicamente quando tinha 10 anos de idade - os médicos disseram aos seus pais que ela podia desenvolver cancro ou que poderia não se desenvolver normalmente, como uma rapariga, duas justificações que não estão clinicamente provadas.
Aos 18 anos, ela foi alvo de uma cirurgia de reconstrução vaginal.
Estas duas operações, em que ela não teve propriamente um voto decisivo na matéria, sendo influencida pelas opiniões dos pais e pelas pressões sociais quanto ao que é aceitável ou não, marcaram-na para toda a vida.
"Soube, a dada altura, depois da cirurgia [de remoção dos testículos] que não podia ter filhos, não tinha o período. Sabia que algo estava errado comigo.
Não é assim uma grande coisa ser intersexual... Se tivessem sido honestos desde o princípio... Tornou-se um trauma por causa do que fizeram."
Crianças sem voz
O facto de não ter tido escolha nestas decisões que marcaram a sua vida para sempre leva-a a sair do armário como intersexual para contribuir para acabar com estas cirurgias que são feitas em crianças, quando elas não têm poder de decisão sobre os seus próprios corpos.
"Tenho orgulho em ser intersexual, mas estou muito zangada por estas cirurgias ainda acontecerem."
Hanne espera assim, dar visibilidade à luta contra a realização destas cirurgias que têm como único objectivo "arranjar" crianças que são apenas diferentes e que merecem ter o direito a crescer sem estigmas.
Os pais de crianças que parecem nascer com genitais diferentes do habitual são, muitas vezes, convencidos a procederem a cirurgias estéticas nos seus filhos para que estes pareçam mais normais. Uma violência e uma violação dos Direitos Humanos fundamentais.
Consequências para toda a vida
Ora, este tipo de cirurgias realizadas por razões meramente estéticas, pode ter consequências físicas e psicológicas para o resto da vida dos afectados.
Em termos físicos, a remoção dos chamados gónadas (os ovários ou testículos) pode motivar a dependência até ao fim dos dias de medicamentos hormonais e a infertilidade permanente. Também pode motivar menor sensibilidade sexual, entre outros problemas.
Em termos psicológicos, pode despoletar sentimentos devastadores de revolta, de depressão e de falta de auto-estima.
O caso de Hanne Gaby Odiele é um dos bem resolvidos. Ela é uma mulher confiante, com uma carreira de sucesso e com uma vida amorosa feliz ao lado do marido John Swiatek, também modelo. E ele fala dela com o orgulho estampado no olhar.
"Fiquei muito impressionado com a sua decisão de falar pelas crianças intersexuais para lhes dar uma oportunidade para se decidirem quanto aos seus corpos, ao contrário da falta de opções e de informação que deram à Hanne e à sua família (e a muitas outras)."
Hanne aproveita a deixa do maridão para vincar aquele que é o seu lema de vida e que aproveita para deixar como conselho às pessoas intersexuais como ela.
"Podes ser quem tu quiseres. Não importa quem."
Gina Maria
Jornalista de formação e escritora por paixão, escreve sobre sexualidade, Trabalho Sexual e questões ligadas à realidade de profissionais do sexo.
"Uma pessoa só tem o direito de olhar outra de cima para baixo para a ajudar a levantar-se." [versão de citação de Gabriel García Márquez]
+ ginamariaxxx@gmail.com (vendas e propostas sexuais dispensam-se, por favor! Opiniões, críticas construtivas e sugestões são sempre bem-vindas)