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24 junho, 2023 O que é feito da humanidade?

O ser humano agora é mais tecnológico do que humano...

Voltei ao hospital, às urgências, pois a pessoa que estou a acompanhar não se estava a sentir bem e, como tinha tido alta de internamento há 3 dias, decidi levá-la de novo às urgências. A pessoa apresentava sinais de extremo cansaço, e muita palidez.

O que é feito da humanidade?

Tirei a senha para triagem e, passados segundos, reconheço um dos enfermeiros que esteve presente no processo anterior. Reconheci porque, na primeira vez, fiz questão em falar com ele, de ser simpática com ele, torná-lo visível e isso fez com que, desta vez, ele também me reconhecesse e metesse logo a pessoa na triagem, sem ter de esperar pela inscrição e triagem normal.

Sentei-me e fiquei entretida a fazer uma boneca falante, pois os meus colegas convenceram-me, há uns dias, a fazer uma boneca falante para se continuarem a rir com as coisas que eu digo, mas em forma de Avatar falante.

Passadas 6 horas, levanto-me da cadeira e aí vou eu... Entro pelos gabinetes à procura de um médico, sozinha, e encontro uma médica que me passou a triagem em modo de urgência, e a triagem passa-me para SO, para falar com a chefe da equipa médica, e o resultado é que, após 15m, a pessoa que eu acompanho foi atendida.

A médica que atendeu a pessoa lembrava-se de mim e de como eu estava vestida na altura, mas eu também me lembrava dela. Uma amiga minha disse-me:

- Um dia destes, mal te vêm a entrar no hospital, fecham logo as portas…Aí vem ela! Vamos fechar tudo!

A pessoa lá foi fazer exames, e eu lá fui andar por ali para ajudar. Vi um senhor velhinho, desesperado de dores e de estar há tanto tempo à espera. Comecei a falar com ele, e ele contou-me a história da vida dele. Uma história de luta, de resiliência e de um grande amor de 60 anos.

Se você está no hospital, a acompanhar alguém, é sinal de que vai esperar horas. Em vez de estar ali numa ansiedade desmedida, porque não vai ajudar as outras pessoas que lá estão? Converse com elas, apoie, vá buscar água, faça algo humano!

Ao passar por uma sala, ouço gritos de uma senhora que estava na maca presa porque queria fugir e matar-se. Ela chorava e gritava, dizendo que se queria matar. Fui ter com ela e comecei a falar com ela e a fazer-lhe festas, enquanto uma bombeira estava ali indiferente. Eu sei que olhei para ela com um olhar fulminante de como quem diz: “como é que é possível não lhe dares um carinho? Como é que é possível estarem ali na conversa de café enquanto aquela senhora grita que se quer matar?"

Novamente, uma sala cheia e ninguém foi ter com a senhora.

Há mais de 25 anos, houve um bombeiro que dentro da ambulância me dizia, em pânico:

- Não adormeças minha querida, não morras, pois és tão bonita e novinha e já estamos a chegar ao hospital.

Essas palavras e esse bombeiro desconhecido estão ainda hoje no meu coração!

Perguntei à bombeira o que a senhora tinha, ao que me respondeu, arrogantemente, que não podia dizer. Disse a todos:

- Esta senhora deveria estar em psiquiatria e não aqui!!!!

Responderam-me, arrogantemente, que primeiro tinha de ir à triagem.

Meu Deus, é preciso triagem para alguém que se quer matar! Imagine that!

Ao ir lá fora, ouço o bombeiro, segurança, e outro ser humano a gozarem com a senhora, a rirem-se e a dizer...

- Aiii quero morrerrrr...

- Olhe lá, aquela senhora está com muita dor emocional!!!!

- Também eu estou com dor emocional de os ter de vir trazer.

Eu nem queria acreditar no que estava a ouvir!!!! Muita mais perplexa fiquei quando chamei a pessoa que acompanhava, para ir ter com ela, e me respondeu que queria ir fumar! Nada de humanístico tinha aprendido, ou possivelmente nunca tinha visto o filme “Favores em cadeia”.

Mais uma voltinha no carrossel e eis que vejo uma senhora, a gritar de dores que se queria ir embora por falta de assistência. Uma senhora cancerosa, já sem uma vista.

Fui ter com ela para falar com ela e tentar acalmá-la, para não se ir embora, e perguntei-lhe o que podia fazer. Eis que, de repente, aparece uma enfermeira novinha com um saco intravenoso e diz assim à senhora:

- Ouça lá, tenho aqui a medicação, mas não sei se lhe dou, pois você está a dizer que se quer ir embora. Quer ir embora, vá!

A senhora dizia que estava ali há muitas horas com dores... Eu fiquei incrédula!

Disse à senhora que iria ficar ali sentada com ela, até o medicamento para as dores fazer efeito. E ali estive até ela adormecer.

Venho para a rua e eis que começo a chorar compulsivamente, ao ponto que após o choro compulsivo fiquei cheia de dores no corpo.

Para concluir, parece-me que o ser humano se preocupa mais com a reciclagem do que com outro ser humano. O que importa é os peixes e não o seu semelhante!

Vamos todos reciclar e continuar a tratar mal as pessoas!

Vamos todos ser espectadores, ver o sofrimento dos outros e não socorrê-los, ou lhes dar uma palavra amiga de forma que a pessoa fale e alivie o seu sofrimento por breves instantes!

Ainda falam que os nossos jovens estão agressivos! Pois devem estar, com pais indiferentes à dor alheia, e num estado egocêntrico incapazes de dar a mão e transmitir a mensagem aos nossos jovens que são o nosso futuro.

O importante é postar no Instagram e Facebook!!!! O ser humano agora é mais tecnológico do que humano. Mais fácil ajudar nas redes sociais porque sabem que serão lidos, do que estar no terreno e socorrer quem não se conhece e está a sofrer! Ficam ali sentados horas e horas a fio à espera, a desesperar, quando poderiam se tornar úteis e assim passar aquelas horas a amar o próximo. Seria mais fácil o tempo de espera porque estavam a ser proativos e humanos.

Os nossos idosos, e aquelas pessoas doentes, já fizeram algo por nós para o nosso presente!

Já construíram, já ensinaram, já e em algum momento nos serviram um café, já em algum momento foram colegas de trabalho que passaram os seus ensinamentos a outros até chegar até nós, fizeram parte da construção deste presente em que nos encontramos.

É nossa responsabilidade construir um presente melhor para os nossos jovens que são o futuro dos nossos netos e bisnetos.

Deveria de voltar o programa de TV "E se fosse consigo?".

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