30 Septiembre, 2020 Brincar aos comboios
CP não é um acrónimo para Chupa Piças
Existe um conjunto de valores ou princípios de que não abdico e dificilmente alguém irá conseguir fazer-me mudar de opinião. Coisas como “não mates”, “não violes” ou até mesmo “não buzines se o condutor do outro carro for um bicho maior que tu”.
Recentemente, descobri que “não filmes sexo em público na era das redes sociais” também faz parte deste virtuoso lote de regras de conduta. Convém separar sexo em público de filmar sexo em público, dado que sou apologista de um e crítico do outro. Não há nada de mal de sexo em público, todos já fomos jovens um dia, tivemos acesso a uma gabardine e estávamos ao pé de uma escola preparatória. Filmar sexo em público é daquelas coisas que tem tudo para correr mal para qualquer um dos intervenientes, contudo, a factura da culpa passada pelos restantes moralistas é sempre maior para o elemento feminino que se vê envolvido nestas touradas.
A rapariga, os rapazes e – quem sabe o que se passou mais tarde – o cavalo e os dois anões, são livres de fazer o que lhes der na telha desde que saibam o risco que estão a correr, ou seja, serem apanhados por alguém. A culpa desta situação ter escalado para o plano nacional é de quem filma, pois isto deveria ter sido uma coisa que aconteceu e morreu ali. Na pior das hipóteses, um gajo tinha dado de caras com aquilo a entrar na carruagem e tinha sido tema de conversa entre um casal ao jantar:
- Não vais acreditar no que vi hoje no Metro. Lembras-te daquela minha amiga meio gorda mas bué fixe? Perdeu bué peso e está bué elegante. Já não a acho tão fixe e, agora que penso nisso, eu nunca gostei dela. Emproada. E tu? Como é que foi a tua viagem de comboio até casa? Viste alguma coisa de interessante? Credo, apanhar o comboio todos os dias deve ser bué chato!- Bom…
Mas não foi isto o que aconteceu, certo? O que aconteceu foi que eu e milhares de pessoas que nunca deveríamos ter visto o que se passou, recebemos uma reportagem CMTV via WhatsApp com direito a vários planos de acção. Eu tive de ver aquilo algumas quinzes vezes até perceber o que se estava a passar e recordo-me de ter sentido alguma nostalgia pelos meus tempos de Fertagus em que também eu me via grego para arranjar uma posição confortável no banco.
Ao que parece, a rapariga em causa já veio a público dizer que foi obrigada e nada do que se vê nos vídeos foi feito de livre vontade. Se assim é, então é de investigar e de punir os responsáveis. Pela minha análise, não me parece que haja ali grande resistência e deve ser complicado gritar por socorro quando só o nariz está desocupado, mas deixo essas conclusões para as autoridades competentes.
Moralismos de vão de escada à parte, se querem pinar em público, não filmem ou se virem alguém a fazê-lo, podem ficar a olhar um bocado (sei lá, uns 7 segundos ou assim, mais que isso é esquisito) mas também não filmem.
Deixem as pessoas brincar aos comboios à vontade.
Até domingo
Noé
Noé
Trintão miúdo de coração ao pé da boca. Perdido em fantasias concretizadas e concretizáveis apenas preso por amarras do anonimato. Relatos passados de opinião libertina é um santo pecador por excelência.