23 Noviembre, 2015 Entrevista com um submisso
As confissões de Lucas, um podólatra que gosta de ser "dominado e humilhado".
Lucas tem 29 anos, é gestor informático e vive em união de facto, numa relação dita normal (ou "baunilha"). Mas para si o prazer maior, em termos de sexo, é ser "dominado e humilhado". Entre nesta vertente do BDSM pelas palavras de um submisso...
B.I.
Nome: Lucas
Idade: 29 anos
Profissão: Gestor Informático
Estado Civil: Solteiro (moro com a mulher)
"Sinto prazer em ser dominado e humilhado"
Em termos sexuais, como é que te defines?
Complicado. Dizer que sou hetero é um pouco ambíguo. Não tenho interesse individual por homens em si, apenas num contexto em que interpretam uma personagem com uma mulher incluída. Ou seja, gosto de mulheres, homens só com mulheres. Logo posso ser considerado BI.
Quais são as tuas principais preferências sexuais? Que tipo de práticas te agradam em concreto?
O que me motiva sexualmente é o sentimento de submissão em si. Como tal, sinto prazer em ser dominado e humilhado. Com isso vêm algumas práticas que me agradam particularmente. Sou adepto e praticante de podolatria, sendo que na maior parte das vezes que o pratique não vem com a submissão, adoração, humilhação, controlo de orgasmo/castidade, adoração, ballbusting Shibari, cuckolding...
Como é que descobriste que a submissão sexual te excitava sexualmente?
Isto seria recuar um pouco no tempo... Lembro-me de dois episódios, assim de repente, em que em pequeno (ainda sem idade de me excitar sexualmente) tinha prazer nalgumas coisas.
Um episódio, do tempo que ainda andava a aprender a escrever, que me marcou ao ponto de não o esquecer mais, foi uma brincadeira de "imitar as novelas" com a minha prima e ela me dominar. Era apenas um ano mais velha do que eu, mas na altura ela era maior do que eu, forçou-me a baixar até aos collants dela e roçou-se em mim, não me lembro o contexto da altura. Também me bateu algumas vezes porque era mais forte. Eu, na verdade, gostava, mas não ficava excitado, apenas gostava.
Saliento que crescemos e nunca tivemos qualquer relação sexual, ou episódios que se possam relacionar.
"Vivo com a minha mulher e há muitos desejos reprimidos"
Como foi a tua primeira experiência neste campo?
Em termos sexuais, enquanto estudei na Universidade conheci uma rapariga que gostava de fazer sexo de uma forma um pouco diferente. Digamos que ela era mais selvagem que o habitual, sentia prazer em arranhar-me as costas, apertar-me os mamilos, ver-me a sentir dor.
Eu era um pouco inexperiente, nessa altura, e adorava toda a "maluqueira" dela. Foi dela também o primeiro pé que lambi. Ela não tinha uns pés bonitos, segundo o meu critério (pequenos), mas toda a tensão sexual envolvente nela excitava-me.
Nunca namoramos, eramos mais uns parceiros de aventuras e acabamos por seguir cada um para seu lado. Ainda mantemos contacto como amigos, mas cada um tem uma relação conjugal (e quase 300 km de distância).
Quais são as principais dificuldades (se as enfrentas) por causa desta tua preferência sexual?
A submissão de um homem, mesmo que sexualmente, ainda é encarada pela sociedade como algo estranho. É difícil quando conheces uma pessoa com quem te queiras envolver explicares alguns dos teus desejos. Vivo com a minha mulher há 2 anos e ainda há muitos desejos reprimidos.
Vou explorando aos poucos o que é possível introduzir e penso que ela também, sendo que a considero de uma natureza submissa, não tanto quanto eu, mas com desejos semelhantes. Tenho o cuidado de explorar também esses desejos com ela e de os realizar. Só assim é possível uma relação duradoura de 6 anos.
"Já saí com marcas e alguns danos físicos"
Imagino que a prática da submissão, como acontece noutro tipo de práticas BDSM, implique o respeito por determinadas regras - não vale tudo, certo? Que regras genéricas são essas?
Sim, na prática de submissão, no BDSM, como em tudo na vida, tem que haver regras. Nem o mundo selvagem vive em anarquia. Nunca vale tudo.
O essencial é haver respeito, de ambos os lados. Quando se pratica submissão, ou qualquer outra prática sexual, BDSM ou não, os intervenientes têm que saber os limites que se podem ou não explorar.
Nunca me envolvi com ninguém em que tenha usado a palavra de segurança. Não sei se realmente nunca foi mesmo necessário, pois nalguns casos foi arriscado não a ter usado. Na verdade, nunca usei, mas também nunca pratiquei com nenhuma profissional e no amadorismo essas coisas escapam por vezes.
Já saí com marcas e alguns danos físicos, talvez por sorte e por respeito mútuo, nada chegou a um extremo em que tenha sido realmente necessário parar. Acho que sim, devia sempre haver uma palavra de segurança.
Nunca te aconteceu pedires a um parceiro/parceira para parar e este/esta estarem tão cheios de tesão que te ignoraram por completo e continuaram?
Isso até no sexo "baunilha".
Já aconteceu ter que repetir, mas o não parar totalmente quando se apercebem, nunca, isso já se assemelha a violação. Também é verdade que sendo homem é mais fácil fazer parar do que provavelmente sendo uma mulher - não é machismo, é apenas uma questão fisionómica, isto não quer dizer que não haja mulheres mais fortes fisicamente, mas mesmo com mulheres com força acabou por nunca me acontecer o não pararem.
Embora já tenha feito coisas que me desagradaram, não foi intencional ou por falta de respeito do parceiro, mas sim por limites que não se impuseram na altura. Não me arrependi, são coisas que acontecem.
Há a ideia "popular" de que a pessoa submissa é o elo mais fraco de uma relação deste tipo, mas quem envereda por esta prática diz sempre que é o submisso que controla tudo o que acontece. Comentários...
Possivelmente em termos profissionais sim, o submisso acaba por ser quem controla, pois contrata os serviços que pretende a alguém (alguém há-de conhecer excepções).
Na minha opinião, não há elos mais fracos, um submisso coloca-se nessa posição por que quer, assim como o dominador também, excepções feitas se entrarmos para campos como escravidão forçada, violação...
Já alguma vez foste vítima de algum tipo de abuso/brincadeira - ou temeste poder ser -, estando tu numa situação de submissão e, logo, de aparente fragilidade?
Confesso que nunca cheguei a ser vítima. Tive uma situação em que me envolvi com uma rapariga, quando já namorava com a minha mulher, que originou um início de chantagem, mas que não passou além disso. Ela submeteu-me sexualmente, o engraçado foi como ela descobriu por ela e, rapidamente, que me dava prazer submeter, mas não passou de uma atracção carnal.
A dada altura, a rapariga queria algo mais e eu expliquei que não estava interessado e ela ameaçou contar à minha mulher o que nós fazíamos os dois. Não passou das ameaças e acabámos por conversar e tive oportunidade de explicar-lhe que não valia a pena fazê-lo.
Foi chato, tive medo. No final não levei a mal nem fiquei zangado, apenas nos afastámos.
"Uma segunda pele"
O conceito de um homem submisso é visto, pelas mentes mais fechadas, ainda como uma espécie de "anormalidade". Mas, por vezes, os homens que têm esta preferência sexual têm profissões de controle, em que são lideres. É uma forma de escape desse stress social que os coloca no lugar de comandantes? É isso que também é para ti?
Talvez...
Sou submisso antes de entrar para o mercado de trabalho, mas avaliando a minha profissão actual, se calhar acaba por uma coisa conduzir à outra.
Sempre fui uma pessoa que assume as responsabilidades e toma iniciativa de as assumir, isso acabou por me colocar num cargo de controlo. Não sei se uma coisa leva à outra, é algo para os psicólogos estudarem.
Mas sim, é uma forma de escape, no meu caso não de carácter social. Para mim, é uma forma de ter relações sem a pressão sexual que um homem tem sempre. Como não estou no controlo da minha erecção, acabo por não ter essa pressão. Funciona assim para mim.
Costumas falar desta tua preferência às tuas parceiras ou parceiros? Ou é algo que manténs "escondido", como uma espécie de segunda pele que só vestes em privado/em determinados contextos secretos?
Não costumo falar, vou explorando para ver o que é possível e descobrir os gostos da parceira. Com isso tento equilibrar os gostos dos 2. Pode parecer estranho, dito assim, mas para mim, parte integrante da submissão é a procura para satisfazer a parceira, por vezes, sou mais activo ou dominante do que os meus desejos, mas assumo-o porque lhe estou a dar prazer. Às vezes, fantasio interiormente que me obriga a fazê-lo.
Acaba por ser quase uma segunda pele e algo que exploro mais no meu secretismo porque a minha parceira não é dominante.
E quando descobrem que tens este tipo de preferências sexuais, como é que reagem?
A dada altura, há fantasias que são de tal forma intensas que o parceiro ou acaba por se aperceber ou acaba-se por contar. Depende muita da maturidade sexual das pessoas, o descobrirem por si ou não e como tiram proveito.
A minha mulher não é dominante, no entanto sabe que sou podólatra. A dada altura, acabei por o dizer. Não reagiu bem, mas podia ter sido pior, acabamos por conversar e hoje pratico podolatria com ela regularmente, mesmo que sem dominação por parte dela, e aos poucos ela vai-se soltando-se mais, fica mais confiante e obtém mais prazer disso.
Por vezes, é preciso saber negociar. Ter um marido podólatra tem as suas vantagens e desvantagens para quem não gosta de dominar.
Em questões de submissão, nunca contei a nenhuma parceira, ou elas se aperceberam e exploraram ou já eram mais dominantes por natureza e a submissão acabou por surgir.
"Uma coisa é amor, outra é desejo"
Qual é o peso da submissão na tua vida sexual? É um detalhe ou consideras que só és feliz sexualmente (e globalmente) se viveres esta preferência na plenitude?
A importância do sexo na vida de qualquer casal é algo relevante. Obtenho prazer com sexo dito "baunilha", embora não tenha orgasmos tão intensos e gratificantes como submetendo-me.
Há sempre alturas em que tenho um desejo incrível de me submeter e procurar alguém que me submeta. São relações apenas carnais. Por incrível que parece, há pelo menos 2 anos que não as tenho.
Vivo com a minha mulher e tento satisfazer-me com ela. Em último caso, tenho-me satisfeito com calçado dela e imaginação.
Sei de pessoas que, por exemplo, nunca se submetiam à sua própria mulher. A mim não me faz confusão e até fantasio com isso. Ao tentar descobrir a sua natureza, acabei por não conseguir ter uma relação de submissão com ela. Isso não muda o que sinto por ela, uma coisa é amor, outra é desejo.
Também não tenho necessidade de a viver na plenitude, ser submetido fora da relação sexual. Uma coisa é sexo outra é o quotidiano. Nesse contexto, apenas a castidade faz sentido 24 horas, pois não afecta outras actividades profissionais e de lazer (na maior parte dos casos).
Na verdade, quando me apaixonei tinha esperança que ela sentisse prazer na dominação sexual, não o sente, e respeito isso. Com tudo isso, procuro sempre um equilíbrio que dê prazer aos 2, penso que ela também, por isso aceitou algumas das fantasias que lhe expus ao longo do tempo.
Por vezes há necessidades de fazer algumas coisas erradas? Pois há. É preciso fazer às escondidas? Pois é. Uma questão social que com o tempo tem quebrado barreiras, eu não me importo que ela as faça, infelizmente, hoje em dia, ainda é visto como algo errado. Lembrei-me de um livro agora sobre isto, Zahir.
Que conselhos dás a quem se sente tentado por este tipo de prática sexual, ou por outras dentro do campo BDSM?
Experimente, reprimir desejos toda a vida não vai trazer nada de bom. Claro que com consciência e responsabilidade. Nem todos sentimos da mesma maneira, façam-no com respeito.
Gina Maria
Jornalista de formação e escritora por paixão, escreve sobre sexualidade, Trabalho Sexual e questões ligadas à realidade de profissionais do sexo.
"Uma pessoa só tem o direito de olhar outra de cima para baixo para a ajudar a levantar-se." [versão de citação de Gabriel García Márquez]
+ ginamariaxxx@gmail.com (vendas e propostas sexuais dispensam-se, por favor! Opiniões, críticas construtivas e sugestões são sempre bem-vindas)