26 Septiembre, 2024 A viúva - Parte 1
Ele masturbou-a durante muito tempo, até a ouvir gritar e, finalmente, desaguar...
Quando ele a empurrou contra a bancada, ela sentiu coisas que há muito não sentia. Décadas, talvez. Nem sabia já as palavras para descrever as sensações, como se os anos lhe tivessem roubado o léxico que todas as mulheres deviam conhecer.
Quando ele lhe beijou o pescoço, foi talvez um arrepio. Quando ele forçou a mão em cima dos seus seios, pareceu um formigueiro.
Quando ele se aproximou mais e ela sentiu aquela coisa dura na cintura dele, comprimindo-se no centro das suas pernas, foi um calor abrasador.
Quando ele lhe baixou as calças e depois lhe enfiou a mão nas cuecas, e os seus dedos lhe tocaram na vagina, sentiu um derrame líquido e completamente inesperado.
E quando sentiu as cuecas descer, para que ele a manuseasse mais à vontade, e se ouviu a si própria gemer... O que sentiu foi o mais próximo do abandono a que alguém alguma vez pode chegar.
No início, ela chegou a levar a mão à mão dele, surpreendida pelo repentismo do acto. Mas nenhum dos dois ficou a saber se ela o estava a tentar impedir ou, pelo contrário, se assegurava de que ele não parasse.
Ele, sentindo a liquidez dela, masturbou-a durante muito tempo, até a ouvir gritar e, finalmente, desaguar...
Os dedos dele foram as testemunhas originais do seu orgasmo, mas também os ouvidos, o nariz e os olhos, que se regalaram com os seus gemidos, com o cheiro a racha molhada, e com o olhar perdido que ela não conseguiu controlar.
Tudo isso eram provas do seu prazer e, assim sendo, ela não tinha como objectar.
Ela não tinha dito que não, note-se, mas dera-lhe a entender que não estava interessada. Não porque ele não fosse atraente, porque era. Não porque reprovasse a ideia, porque aprovava que toda a gente o fizesse. Mas porque, simplesmente, não pensava nisso. Isso lhe dissera quando ele começou com a conversa:
– Há semanas que olhamos um para o outro. Há dias que falamos um com o outro. Estás sempre a flirtar comigo. Convidaste-me para tua casa. Fizeste-me chá. Acendeste incenso. Puseste música. Foste mudar de roupa... Não me digas que não queres...
Ela não disse. Disse ele:
– Eu sei que tu queres...
E aí foi-se a ela e beijou-a, sem mais nada, prensando-a contra o balcão da cozinha para ela não lhe poder escapar.
Ela não pensava nisso há muitos anos. Era a verdade. Não se estava a fazer difícil, nem tinha porque o fazer. Só não tinha desejo. Já assim era quando ainda era casada.
Logo a seguir a ter o único filho, perdera o interesse. Dedicou-se à maternidade como se fosse a última coisa que lhe tivesse saído pela vagina. Nasceu-lhe a criança, morreu-lhe a líbido. E ela que sempre tinha sido tão sexual!
Por iniciativa dela, foderam antes do casamento. Já tinha fodido com outros. Ele não sabia. Ela não aguentava esperar. Ele nunca soube.
Nos primeiros meses, não largava o marido, até ele andava a ficar farto. Ele não gostava de explorar. Não gostava de experimentar. Não gostava de a lamber, nem deixava que ela o lambesse.
Ia-lhe dando uma chapada quando, um dia, ela lhe meteu um dedo atrás! Nunca lhe quis ir ao cu porque dizia que lhe metia nojo.
Aos poucos, ele começou a achar que ela não era a mulher que ele pensava, que talvez tivesse casado com uma ordinária.
Agora, ela escorria toda depois dum orgasmo fulminante, propiciado por um estranho que se preparava para lhe exibir o pau, e toda a sua história parecia muito distante.
O nojo dele transladou-se para o dela, foi crescendo em ambos os sentidos e, pior, foi-se diluindo por toda a qualidade de pequenas coisas. Ele já não gostava do que ela dizia. Não gostava da maneira como se vestia. Não gostava da comida dela, tão diferente da da mãe.
Na cama, ela vinha-se com facilidade, qualquer toquezinho lhe rebentava a represa, mas ele já fodia sem gosto e ela tinha que fechar os olhos e imaginar que ele era outro.
Mesmo assim engravidaram, terá sido na noite do casamento da sobrinha - estavam os dois mais animados, mais bêbados também.
Depois do bebé, ela ficou carinhosa, diferente, ou ele assim a viu. Procurou-a, a sentir falta, mas aí foi ela que lhe deu para trás. Mostrava-se fria aos seus avanços, o sexo era a última coisa em que pensava.
Ainda houve uma época, no início, quando ele insistia muito, que ela nem tirava a roupa, punha-se de quatro e virava-lhe o cu, dando-lhe com desdém o que ele procurava.
Era somente uma oferta de desagravo, e ele bem o via. Se ele não tinha consideração pelas suas vontades (ou falta delas), se a via somente como uma peça de carne, pois aí a tinha, aberta e disponível.
Nem assim ele se fazia rogado, penetrava-a na mesma, mas a frieza dela queimava-lhe o caralho e meia-dúzia de estocadas depois estava murcho dentro dela.
– Nem para isso serves! – vingava-se ela então.
Ele saía pior do que tinha entrado e não tardou a procurar consolo noutros braços. Como era um bêbado e pouco ou nada tinha de interesse para dizer, nunca foi capaz de seduzir as mulheres que o atraíam.
Na falta de melhor, começou a acabar as noites nas camas das profissionais da zona, as únicas que fingiam o calor por que ele ansiava.
A ironia... Ele todo não sei quê, cheio de nojo de tudo o que era bom, acabou nas piores espeluncas, com as mulheres mais viciosas da praça!
Quando voltava para casa, muitas vezes de manhã, não é que ela não fosse capaz de olhar para ele. É que, sinceramente, não o via. Era-lhe absolutamente indiferente. O que ele dizia, o que ele fazia, o que ele significava... Era como se não tivesse forma, nem peso, nem presença. Quanto muito, era uma corrente de ar que sentia vagamente quando ele se movia pela casa atrapalhando-lhe os caminhos.
Mil vezes ele teria preferido que ela gritasse com ele, que o repreendesse, que lhe batesse. Seria ao menos uma prova de vida! Pelo caminho, até descobriu que afinal sempre a amava.
Mas aí era tarde, ela já lá não estava, não para ele, nem o via. Vivia no seu mundo com o filho, que era só dela, porque nesse mundo ele não existia.
E se por acaso ele conseguia trespassar a muralha dela, acordá-la do seu transe maternal, levava raspanetes que lhe doíam mais que o próprio orgulho:
– Larga-me da mão! Vai para a puta que te pariu! Ou para as putas mal paridas que te aturam.
E ele fez isso mesmo. Passou a encontrar consolo nas prostitutas de estrada e quando chegava, inevitavelmente bêbedo, atirava-se para o sofá. Nunca mais dormiu na cama.
Eventualmente, percebeu que não tinha encaixe para o espectro da sua própria invisibilidade. Desistiu e foi-se embora de vez, e nisso ela reparou. Com alívio, viu-o nesse dia pelas costas, finalmente, pela última vez.
Não demorou cinco segundos a esquecê-lo, porque há muito que não se lembrava dele. E tudo o resto pôs de parte. Os homens, o sexo, o prazer, o sentir-se mulher... Trabalhava, era mãe, era uma pessoa, e era tudo.
A notícia, anos mais tarde, de que ele tinha morrido vítima de doença prolongada, não mudou nada dentro dela. Nem perguntou se tinha sido do fígado, o que na realidade se constatou ser.
Ocorreu-lhe, simplesmente, vagamente, que a partir daí já não era uma mulher casada, mas antes uma viúva. E observou como as pessoas passaram a tratá-la com um respeito diferente, mais comedido. Tirando isso, nada que perturbasse o seu dia-a-dia.
Isso sim, coincidiu que, por essa altura, o seu menino, já com 19 anos, saísse de casa para estudar. Não apenas para outra cidade, mas para outro país. Esse toque, ela acusou. Essa solidão, sentiu-a profundamente.
Talvez por isso começasse a ir ao café. Para ver pessoas. Não que quisesse interagir com elas, muito menos que elas interagissem consigo. Mas para saber que o mundo ainda era mundo.
Armando Sarilhos
Armando Sarilhos
O cérebro é o órgão sexual mais poderoso do ser humano. É nele que tudo começa: os nossos desejos, as nossas fantasias, os nossos devaneios. Por isso me atiro às histórias como me atiro ao sexo: de cabeça.
Na escrita é a mente que viaja, mas a resposta física é real. Assim como no sexo, tudo é animal, mas com ciência. Aqui só com palavras. Mas com a mesma tesão.
Críticas, sugestões para contos ou outras, contactar: armando.sarilhos.xx@gmail.com