31 August, 2020 O Reencontro - Parte I
Estava a ir por um caminho que talvez não devesse de ir, talvez não naquele momento em que não me sentia no meu melhor...
Esta situação da pandemia estava a dar conta do meu psicológico. Mesmo antes de entrar em distanciamento social já não me sentia bem nem confortável com a situação que vivia, agora então... depois de tudo isto muito menos. Tive que obrigatoriamente afastar-me e deixar de fazer tudo aquilo que ainda me fazia abstrair dos meus pensamentos menos felizes.
Tinha entrado de folga do meu trabalho. Estava em casa, perdida nos meus pensamentos e sem saber muito bem o que fazer, então decidi ir dar uma volta até à praia. Quero com isto dizer, pegar no carro, ir e lá estacionar e ficar apenas a olhar para o mar. O mau tempo, chuvoso e cinzento também não ajudava.
Cheguei à praia e surpreendentemente não estava tão mau quanto pensava. Não havia vento nem tanto frio assim, mas tudo se mergulhava naquela escala de tons cinza do céu, o mar e os meus pensamentos. Tentava a toda a força encontrar respostas em mim mesma para o que vivia, tentava encontrar a ponta do meu equilíbrio emocional. Ultimamente só tinha vontade de berrar com todos e ao mesmo tempo não querer falar com ninguém.
Quando arranjei o sitio perfeito para estacionar, não espero muito em arrumá-lo à primeira, para o desligar de seguida. Coloco o banco do carro para trás e estico as pernas para o lado do pendura, em cima do tablier, colocando-me assim mais à vontade.
Acendo um cigarro. Ligo o rádio e sintonizo numa estação que se apelide melhor ao meu estado de espirito e coloco num volume baixo de forma a ter apenas uma música ambiente.
Aos olhos de outras pessoas pode parecer que gosto de me massacrar e criar todo aquele ambiente de desastre e sofrimento, mas não. É assim que me encontro. Como boa capricorniana que sou preciso de saber o que sinto para conseguir e poder seguir em frente.
Fiquei assim durante, pelo menos, duas horas e um maço de cigarros. Deveria falar também da garrafa de vinho que levei? Uma garrafa de vinho tinto para me fazer companhia e dar-me calma aos ânimos. Há quem fume, há quem não faça nada. Eu sou das que bebe.
Passado um pouco, entre os tantos carros que chegaram e se foram embora, eis que um com tanto lugares para estacionar, estaciona precisamente ao meu lado.
“Oh foda-se”, pensei.
Gosto de estar sozinha. Bem sabemos que as pessoas tendem a dar sempre um olhar umas às outras também como uma manobra de distração para o “sem fazer nada” delas próprias.
Que se lixe!
Dei aquele olhar pouco agradável e discreto para perceber quem era. Foi rápido. Percebi que era um rapaz. E ali ficou.
Cada um no seu carro, lado a lado e eu a praguejar pelo facto de estar ali mesmo ao meu lado quando eu queria estar pelo menos a trezentos metros de distancia de qualquer pessoa.
Vou sentindo que a pessoa do carro ao lado não para de olhar na minha direcção. Eu olho e ele vira o rosto. Depois novamente, ele torna a olhar. Eu sinto que sim, até que simplesmente deixo de ligar, mas começa a deixar-me incomodada. Por isso é que eu gosto de estar a tanta distância das pessoas. Se eu quisesse estar acompanhada ia para um café ou ia ter com amigos ou familiares.
Oiço uma porta de carro a bater. Pouco tempo depois oiço baterem-me no vidro do carro. Baixo a cabeça, como se quisesse dizer, antes de olhar, “lá se vai o meu sossego”.
É preciso coragem para me vir “bater à porta”.
Não abri logo o vidro, apenas olhei.
“What the fuck??????” – quase que berrei.
Nem acreditei quando vi quem era.
Ele começou-se a rir. Percebeu o que tinha dito.
Era o Fábio.
O Fábio foi aquele rapaz com quem tinha decidido ir almoçar. Tinhamos conversado e acordado nos conhecer melhor. Estavamos a gostar de estar um com o outro. Um virginiano nato. Faziamos match. Bonito, sociável, bem colocado em termos de trabalho, mais velho que eu, mais alto endinheirado, portanto não tinha grandes problemas na vida. Bem resolvido achava eu, até começar a decifrar o bicho, como boa observadora e investigadora que sou.
Tudo corria bem nessa altura até a sua ex-mulher, deliberadamente, mal resolvida e mimada, perceber que ele estava a sair com outra pessoa e começar a dar uma de louca, ao ponto de ir ao meu local de trabalho e fazer chantagem com ele usando o filho que têm em comum. Aí a situação ficou estranha para mim e comecei a recuar é claro. Como a maioria dos homens que não sabem lidar com situações de stress ou de pressão por parte das mulheres, ele deixou que a “nossa história” ficasse por ali mesmo.
Até aqui não haveria motivo algum para nos deixarmos de falar, como aconteceu. O problema desta história está no momento em que numa das vezes que ele quis estar comigo, depois disso, sim porque às vezes parece que a cabeça dele chamava por mim, ele me viu através da janela da minha sala com outra pessoa. Essa pessoa é um ex a quem decidi dar uma segunda oportunidade. Ele sabia o que eu sentia por ele ainda e não era à toa que tínhamos decidido conhecermo-nos devagar, tanto por mim como por ele, mas acontece que ele não sabe, até hoje, quem é o rapaz que estava comigo naquela noite e com quem ele me viu.
Ele apenas me convidou para sair, já se encontrava alcoolizado. Era Carnaval naquela altura e tanto ele como os amigos já tinham saído para se divertir, mas ele achou que de repente era comigo que ele queria estar. Depois de me ter visto através da janela com outra pessoa, começou a enviar-me imensas mensagens de que me ia aparecer em casa e que eu o tinha desiludido.
Nada do que dizia fazia sentido e no dia seguinte entrei em contacto com ele. Queria ter uma conversa séria e definitiva, colocar todos os pontos nos “i's”, porque não fazia sentido ele dar-me espaço para seguir o meu caminho e de repente lembrar-se, novamente, da minha existência e querer que eu esteja disposta a tal, muito menos ficar chateado porque estou com outra pessoa. Foi ele que desejou que eu seguisse adiante com a minha vida e que fosse feliz.
Claro que a bebedeira já lhe tinha passado e a consciência já lhe tinha subido novamente à superfície e foi então nesse dia que tivemos a real discussão consciente e lhe consegui dizer que cada um deveria seguir o seu caminho sem mais palavras ou amizades, porque nem sequer tempo de criá-la tivemos.
Chateados um com o outro chegamos a um acordo, mas o nosso orgulho falou mais alto no final, e desde então que não trocamos uma palavra… até que ele me bateu no vidro do carro, até agora, portanto.
- Fábio, esperava qualquer pessoa menos tu.
- Eu percebi pela tua reação. – respondeu-me com um sorriso.
O danado continuava cheiroso como sempre. Não está assim tão perto de mim mas mesmo assim consigo sinto-lhe o cheiro. Agradável e tentador como sempre foi.
- Acho que seria uma boa altura para conversarmos. – fintou-me – O que achas?
- Eu acho que sim. – respondi-lhe – Desde que isso não nos leve a mais nenhuma discussão, pelo menos hoje, porque não me apetece mesmo nada. Sabes que estou sempre pronta para uma boa “guerra” de palavras, mas hoje, definitivamente, não é o dia.
- Então, mas estás bem?
- Sim, estou bem. Com os meus stresses emocionais, mas está tudo bem, decerto que não devo ser a única. Para estares aqui sozinho cheira-me que também vieste respirar um pouco.
- É verdade sim.
Olhei para ele e sorri-lhe.
- Pois é, Fábio. Somos todos humanos.
- É verdade mesmo. Cometemos todos os mesmos erros, mais cedo ou mais tarde e acabamos todos por parar na mesma estrada.
- É verdade, sim.
- Mas é engraçado.
- O que é que é engraçado? – perguntei-lhe.
- Há uns meses decidimos dar a oportunidade um ao outro, talvez para viver algo, que infelizmente nunca teve tempo de acontecer, de verdade. Hoje estamos aqui os dois por consequência de outras coisas e outras pessoas. Já pensaste que pode ter sido por não nos termos dado a essa oportunidade que o hoje aconteceu?
Aquilo fez-me pensar de facto, mas estava a ir para um caminho que talvez não devesse de ir, talvez não naquele momento em que não me sentia no meu melhor emocionalmente.
- Tu hoje estás mesmo muito pensativo. – disse-lhe a rir – Estás cheio de pensamentos profundos.
- E tu estás como sempre a fugir ao assunto, tal como fazias quando eu te falava de coisas mais sérias, mas não querias expor o teu eu mais profundo.
- É verdade e aviso-te que alguma coisa pode ter mudado desde que nos conhecemos até hoje, mas definitivamente essa minha característica não foi uma das coisas. – respondi-lhe.
Começa a chuviscar.
- Não queres entrar no carro? Está a começar a chuviscar, a menos que prefiras tomar banho da chuva. – perguntei-lhe.
- Ui! Estás a convidar-me a entrar aí contigo?! Estás a fazer progressos!! – respondeu-me com uma gargalhada.
- És tão estupido! Entra e cala-te antes que me faças arrepender.
- Então, deixa-me entrar primeiro, arrependes-te depois.
- Espero não me arrepender sequer Fábio!
E parece que ficou ali qualquer coisa no ar. Não sei se o que disse o deixou a pensar, mas ficámos a olhar nos olhos um do outro depois disso.
Alexa
Uma mulher com imaginação para dar e vender.
Sempre gostei de escrever, mas coisas eróticas... isso gosto mais. Levar um homem à loucura através de palavras e da sua própria imaginação. Como adoro...