06 July, 2022 CAD Porto atua em função das pessoas (com serviços gratuitos, confidenciais e à medida das necessidades)
Mais uma reportagem do Especial Associações que prestam apoio a trabalhadorxs do sexo.
O CAD Porto é o serviço destacado, neste mês de junho, no âmbito das reportagens especiais sobre as entidades que têm parceria com o Plano AproXima e que prestam apoio a quem faz Trabalho Sexual. Vem saber como atua no auxílio a trabalhadorxs do sexo e não só.
O CAD Porto, ou seja, o Centro de Aconselhamento e Deteção Precoce da Infeção VIH/SIDA do Porto, é uma das entidades que tem parceria com o Plano AproXima, o projeto de responsabilidade social do Classificados X. Neste sentido, fomos falar com o coordenador do CAD Porto, Luís Pimentel, para conhecer melhor o trabalho que é feito no terreno.
Esta unidade integra a Rede Nacional de CAD, centros de diagnóstico e aconselhamento que estão integrados no Ministério da Saúde, e permite fazer rastreios gratuitos e confidenciais ao VIH, às hepatites B e C, e à sífilis.
Mas o CAD Porto também disponibiliza material preventivo, como preservativos e gel lubrificante, bem como consultas de enfermagem e de psicologia, além de aconselhamento. Trata-se, neste caso, de "ouvir, escutar" e, de acordo com isso, "organizar uma resposta personalizada", como salienta Luís Pimentel.
"Colaboração com o Plano AproXima é muito importante"
O CAD Porto vai fazer 20 anos em outubro de 2022, tendo iniciado a sua atividade em 2002, apenas com "uma unidade fixa". Atualmente, tem também uma unidade móvel que foi lançada em 2006, para dar "uma resposta de proximidade", chegando mais facilmente às pessoas, como explica Luís Pimentel.
Esta unidade móvel atua "em todos os 18 concelhos do distrito do Porto", fazendo "percursos diurnos e percursos noturnos", até à "uma, duas da manhã", "procurando os locais onde os utentes estão e onde necessitam" de apoio, sublinha ainda o coordenador do CAD Porto.
Neste sentido, fazem-se o mapeamento e o levantamento de necessidades em "colaboração" com o Plano AproXima, uma parceria que é "muito importante e muito interessante", como salvaguarda Luís Pimentel.
"Sabemos que há locais onde existem mais respostas para além do CAD e nós procuramos saber as áreas geográficas onde não existem respostas", para que a unidade móvel chegue a essas zonas de modo a "alargar ao máximo o âmbito de ação em termos da nossa intervenção", aponta ainda.
"É um trabalho que não podemos ser só nós a fazer", sublinha Luís Pimentel, salientando a importância da "articulação com o Plano AproXima" e com quem "quem conhece o terreno, quem está, quem sente necessidades", para chegar a mais pessoas e prestar um melhor serviço.
O "trabalho e envolvimento do Plano AproXima é uma resposta de serviço público muito importante", acrescenta este responsável.
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"Não funcionamos com nomes, mas cada pessoa é uma pessoa"
Os serviços prestados pelo CAD Porto são anónimos e confidenciais. "Nós não funcionamos com nomes, mas cada pessoa é uma pessoa", sustenta Luís Pimentel, apontando que esta abordagem permite "dar respostas de acordo com as especificidades e necessidades de cada um".
Atribui-se a cada utente um "código com um número", com "dados anonimizados", como "local de nascimento, concelho de residência", que permite manter uma "resposta continuada" e direcionada para cada pessoa, esclarece ainda o responsável do CAD Porto.
"É um código que nós sabemos e o utente sabe. Quando chegamos aqui, temos todo o seu processo, com os dados que quis partilhar", acrescenta Luís Pimentel.
Outro dado importante é a "flexibilidade de horários", o que permite fazer ajustamentos em termos das melhores alturas para contactar com a população. "Nós não queremos arranjar nenhum pacote, dizer assim: este é o serviço, das tantas às tantas", salienta o responsável, realçando a importância de adaptar as respostas às reais necessidades das pessoas.
A equipa de trabalho do CAD Porto é constituída por três enfermeiros, três psicólogos, dois assistentes operacionais e dois assistentes técnicos que trabalham exclusivamente para esta entidade, o que é uma mais-valia importante.
Atuar "em função das necessidades das pessoas"
O CAD Porto surgiu no âmbito do combate ao VIH/SIDA em 2002, quando se estimava que "cerca de 40% das pessoas que estavam infetadas não sabiam que o estavam ", nota Luís Pimentel.
Nesse âmbito do flagelo da epidemia de VIH, surgiu a necessidade de criar CADs em cada uma das 18 sedes de distrito e nas regiões da Madeira e dos Açores. Entretanto, foram criadas outras respostas e houve muitos destes CADS que deixaram de existir. O CAD Porto foi um dos que sobreviveu e faz, atualmente, "cerca de 40% de todo o movimento dos CADs a nível nacional", realça Luís Pimentel.
"Apesar de já ter 20 anos, fomos diferenciando o tipo de resposta", destaca ainda num elogio em causa própria, enaltecendo a direção executiva do Agrupamento de Centros de Saúde Porto Ocidental e a Administração Regional de Saúde do Norte (ARS-Norte) de que a entidade CAD Porto faz parte.
Assim, se tudo começou apenas com a realização do teste ao VIH, as soluções apresentadas foram sendo "alargadas", nomeadamente com o aconselhamento e a distribuição de materiais de prevenção contra infeções sexualmente transmissíveis (ISTs) "pelos locais onde vão ser utilizados e pelXs trabalhadorXs do sexo".
Mas há ainda "o serviço de psicologia de proximidade" e o CAD Porto não dá resposta apenas a esta área das ISTs, tendo um âmbito de ação mais alargado, com uma resposta integrada, em conjugação com os serviços de saúde, para ajudar no que for necessário, destaca ainda o coordenador da unidade.
"Recriamos um pouco este serviço” para que atue “em função das necessidades das pessoas e não em função das necessidades dos serviços", refere Luís Pimentel. "Por exemplo, aquando da vacina da gripe, articulamos com os serviços de saúde para poder disponibilizar a vacina ", nota.
"Articulação direta" com os hospitais do SNS
Nas situações em que são detetadas infeções, também há "uma articulação direta" com os hospitais. "Em cada um dos hospitais do distrito do Porto temos um médico, de quem temos o número de telemóvel, e ligamos e ele marca imediatamente a consulta" para os utentes, "quer para o VIH, quer para as hepatites, sífilis ou outras infeções", explica Luís Pimentel.
Esta é uma das grandes "mais-valias" do CAD Porto, fruto da sua integração no Agrupamento de Centros de Saúde Porto Ocidental da ARS-Norte, o que permite uma "referenciação muito ágil" e uma "resposta efetiva" dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS), direcionando as pessoas para as melhores soluções, em qualquer ponto do país.
Esta articulação é feita não apenas no campo das ISTs, mas "em tudo o que seja em termos de saúde", acrescenta Luís Pimentel.
"Quem está com terapêutica de VIH, não vai morrer de SIDA"
O VIH/SIDA é, hoje em dia, visto como uma doença crónica fruto da evolução na medicação. Atualmente, "podemos dizer com toda a segurança que quem está com terapêutica de VIH, não vai morrer de SIDA", nota Luís Pimentel ao Classificados X.
"Quem está a fazer o seu tratamento, com uma carga viral indetetável, isto é, em que não se detetou o vírus, pode ter um relacionamento sexual, pode ter filhos e não há problema nenhum", acrescenta o coordenador do CAD Porto.
A Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) e a Profilaxia Pós-Exposição (PPE), que impedem a transmissão do VIH, são terapêuticas recentes que trouxeram um grande avanço nesta área.
No caso da PrEP, uma medicação que se toma antes de manter relações sexuais de risco, é preciso fazer "consultas regulares, ao final de um mês, de três meses", bem como fazer análises. Até porque para fazer esta terapêutica é preciso estar "obrigatoriamente com um teste negativo para o VIH", nota Luís Pimentel.
Esta evolução na medicação tem um "efeito perverso", como destaca, uma vez que leva as pessoas a terem menos cuidados nas relações sexuais. Porém, Luís Pimentel avisa que a PrEP e a PPE "não protegem contra outras ISTs". Assim, se se fizer sexo sem preservativo, corre-se o risco de apanhar outras infeções.
"A melhor e a única forma de prevenir é a utilização consistente, sistemática, nas práticas orais, anais, vaginais, do preservativo", reforça este responsável.
Neste âmbito, Luís Pimentel destaca que a missão do CAD Porto também passa por fomentar uma "sexualidade saudável, em que possamos ter prazer com o sexo, mas sem medo da infeção e para isso, temos que nos proteger", como diz.
"Avanço da infeção é maior nos heterossexuais e nos mais idosos"
A prevenção continua a ser fundamental, tanto no caso do VIH como das demais ISTs, até porque o estigma ainda existe. Além disso, há muitas pessoas que podem estar infetadas e ainda não sabem que têm VIH.
"As infeções recentes [detetadas] são, fundamentalmente, nos homens que fazem sexo com homens e nos mais novos, e é nos heterossexuais onde o estado de avanço da infeção é maior e é maior nos mais idosos", explica Luís Pimentel. "Nos heterossexuais e com maior idade, acima dos 35, 40 anos, acontecem as infeções mais tardias", salienta.
Perante estes dados, Luís Pimentel diz que é preciso "fazer a deteção sistemática nos serviços globais de saúde".
"Neste momento, existe uma norma da Direção Geral de Saúde [DGS] que diz que toda a gente deve ser testada, pelo menos uma vez na vida, entre os 18 e os 64 anos", aponta, salientando que o CAD Porto e outras entidades, no âmbito da estratégia “Porto, Cidade Sem SIDA”, liderada pela Câmara Municipal do Porto, já propuseram uma mudança porque "não se começa aos 18 anos a atividade sexual, nem se acaba aos 64".
Luís Pimentel nota que é importante que "assim como vemos o colesterol, a diabetes" em análises regulares, também é preciso que "os aspetos da sexualidade" sejam alvo de rastreios "por rotina".
Mas já houve "avanços" e dados recentes da DGS revelam que "em 2021, foram feitos muito mais testes de rastreio rápidos nos centros de saúde, designadamente aqui na região norte, em percentagem muito significativa, do que em anos anteriores", nota o coordenador do CAD Porto.
Está também a ser feito um "trabalho de sensibilização aos médicos e enfermeiros, e às equipas das Unidades de Saúde Familiar", para incluir estes rastreios na sua carteira de serviços habitual, constata.
Vírus monkeypox "não é uma doença de um género"
Numa altura em que ainda estamos a lidar com a covid-19, surgiu o receio de uma eventual epidemia do vírus monkeypox, ou a varíola dos macacos. Têm surgido algumas comparações com o VIH, mas "ainda não sabemos muito", diz Luís Pimentel.
"Quando começamos com o VIH dizíamos que era um vírus de homens que faziam sexo com outros homens e vimos que não é", aponta, frisando que "o grande risco" do vírus monkeypox é estarmos também a focar o assunto numa "população específica", esquecendo as demais pessoas e potenciando, assim, comportamentos de risco e um desleixo nestas.
Não se pode "baixar a guarda", pois "se isto proliferar", poderemos ter o mesmo cenário que se verificou com o VIH, com o vírus a alastrar-se por diversos grupos da população, acrescenta ainda. Porque, afinal, "não é uma doença de um género", avisa.
É importante, assim, "prevenirmos e vermos a experiência que tivemos com o VIH para não cairmos nos mesmos erros", conclui.
Futuro passa por um centro integrado de resposta
Olhando para o futuro, Luís Pimentel diz que o próximo grande passo para o CAD Porto é a criação de um “centro integrado de resposta”. A ideia é que, dentro de "muito pouco tempo", seja possível dar uma "resposta ainda maior", para que os utentes possam ter no CAD Porto soluções para "os problemas de saúde em geral".
Neste centro integrado deve existir uma valência de promoção da saúde, com uma consulta jovem para falar de sexualidade, mas também para "trabalhar o desenvolvimento de comportamentos sexuais saudáveis", sublinha.
Além disso, Luís Pimentel quer neste centro integrado uma equipa multidisciplinar que permita aos utentes fazerem os testes de rastreio, bem como outro tipo de colheitas e de análises, para "que saibam aqui o resultado e que tenham aqui, na nossa consulta, a resposta para o tratamento, com a prescrição terapêutica".
O responsável também visa criar condições para que a PrEP seja dada no CAD Porto. Atualmente, é disponibilizada " apenas nos hospitais, ou em protocolo muito articulado" com estes em casos excecionais, salienta.
Portanto, este CAD Porto com um serviço integrado será "o grande desafio para 2022, para consolidar no âmbito dos 20 anos" da entidade, como nota Luís Pimentel.
Numa mensagem final, o coordenador do CAD Porto considera que "os serviços não são nada, nem são os serviços que sabem o que é bom para os utentes, são os utentes que sabem o que é que necessitam e que devem dar um contributo” para terem “uma resposta efetiva".
Neste âmbito, o Plano AproXima é um aliado “importante", reforça, apelando a todas as pessoas que façam chegar "as suas críticas e sugestões, o tipo de respostas que seria importante" implementar no terreno, para saber o que é preciso melhorar. "Não prometo que possamos fazer tudo", mas será feito um esforço nesse sentido, garante.
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Telefones: 220 412 250 / 961 314 380
Email: cadporto@arsnorte.min-saude.pt
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Gina Maria
Jornalista de formação e escritora por paixão, escreve sobre sexualidade, Trabalho Sexual e questões ligadas à realidade de profissionais do sexo.
"Uma pessoa só tem o direito de olhar outra de cima para baixo para a ajudar a levantar-se." [versão de citação de Gabriel García Márquez]
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