02 Juni, 2020 Invisíveis ao vírus: Trabalhadorxs do sexo, a discussão que não existiu!
Assinala-se hoje, 2 de Junho, o Dia Internacional dXs trabalhadorXs do sexo.
Para assinalar a data e reforçar os direitos dXs trabalhadorXs do sexo publicamos aqui um artigo do Plano AproXima que saiu na Revista Digital (Per)Cursos do Instituto Creative que refere como Portugal se enquadra nas políticas abolicionistas, depois de o Trabalho Sexual ter sido despenalizado em 1983. Mas o Código Penal Português continua a criminalizar quem favorece ou fomenta esta actividade.
Foi a 2 de junho de 1975 que mais de cem trabalhadorxs do sexo ocuparam a Igreja Saint-Nizir, em Lyon, para relembrarem as condições precárias de trabalho e, muitas vezes, de vida que enfrentam. Desde essa data, celebra-se anualmente no dia 2 de junho o Dia Internacional dxs trabalhadorxs do sexo.
Quarenta e cinco anos depois, esta população continua a enfrentar sérios problemas, fruto da estigmatização, preconceito, discriminação e isolamento de que é alvo. O enquadramento legal em grande parte dos países europeus, maioritariamente de cariz abolicionista, impede que estas pessoas acedam a direitos fundamentais, como o direito ao trabalho, e a garantia de usufruir de benefícios sociais.
O modelo jurídico-político abolicionista, não criminaliza aquelxs que prestam serviços sexuais, mas apoia a erradicação da prática de Trabalho Sexual, através de medidas punitivas para quem o favorece ou fomenta, ou, até, para xs seus/suas clientes.
Estas correntes neo-abolicionistas que criminalizam, também, xs clientes de sexo pago, têm vindo a ser postas em causa por organizações da sociedade civil, investigadorxs da comunidade científica e pelxs próprixs trabalhadorxs do sexo, que consideram que estas medidas aumentam a sua vulnerabilidade.
Portugal enquadra-se nas políticas abolicionistas, sendo que o Trabalho Sexual foi despenalizado em 1983, através do Decreto-Lei nº 400/82, mas o Código Penal Português continua a criminalizar quem favorece ou fomenta esta atividade, através do art. 169.º, incorrendo no crime de lenocínio.
É curioso notar que o crime de lenocínio tem vindo a ser posto em causa por diversos tribunais e órgãos legais, que declaram ser inconstitucional a existência desta norma no Código Penal Português, já que põe em causa a autodeterminação sexual e a liberdade de trabalho de cada umx. Existem no Código Penal Português várias figuras que contemplam a criminalização de atos violentos e contra a liberdade dos seres humanos, como o tráfico de pessoas e a exploração sexual (seja de adultxs ou de crianças).
Em boa verdade, o enquadramento legal atual contribui para que haja um vazio legislativo que anula quaisquer direitos e poder reivindicativo às pessoas que fazem Trabalho Sexual. Além de marginalizadas, encontram-se impossibilitadas de celebrarem contratos de trabalho, de beneficiarem de direitos e de deveres como trabalhadoras, ficando desprovidas de proteção social ou mesmo do direito a um crédito à habitação.
É dever do Estado apoiar todxs xs cidadãos/ãs, incluindo quem escolhe prestar serviços sexuais. O reconhecimento do Trabalho Sexual como trabalho permitiria que os direitos laborais, sociais e de cidadania plena fossem alargados a estes indivíduos, ao garantir-lhes o acesso a direitos básicos como a higiene e segurança no trabalho, férias, baixa médica, licença de maternidade e paternidade, subsídio de desemprego e reforma. Estas medidas legislativas deveriam ser acompanhadas, também, de respostas para aquelxs que querem deixar de fazer Trabalho Sexual.
Perante a crise sanitária relativamente à crise do Covid-19, várias entidades têm alertado para a situação extremamente vulnerável que muitxs trabalhadorxs do sexo enfrentam. Os regulamentos e normas europeias e internacionais estabelecem a obrigação dos poderes políticos em garantir a proteção de todxs xs cidadãos/ãs.
Em Portugal, as conhecidas medidas implementadas desde a declaração do estado de emergência, tiveram um impacto enorme na qualidade de vida das pessoas que fazem Trabalho Sexual, ao restringir o contacto entre pessoas e a sua mobilidade. O Estado delineou um conjunto de medidas de proteção social que preveem o apoio financeiro a trabalhadores independentes e a empresas, no entanto nenhum desses cenários contempla a realidade dxs trabalhadorxs do sexo.
Estas condições agravam-se quando falamos de profissionais do sexo migrantes. O Estado permitiu o acesso a direitos e apoios sociais com a regularização de pessoas migrantes, mas só àquelas com pedidos de processos pendentes no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. No entanto, xs restantes cidadãos/ãs estrangeirxs em situação irregular veem as suas situações de exclusão e isolamento agravadas, porque não podem aceder a apoios sociais, requerendo especial atenção relativamente às suas condições de habitação, alimentação e saúde.
É importante referir que fruto do seu contacto físico com xs clientes, xs trabalhadorxs do sexo estão mais expostxs e vulneráveis à transmissão de doenças infeciosas, especialmente se a eliminação do seu contágio requer medidas de distanciamento social.
O enquadramento legal espanhol relativamente ao Trabalho Sexual é, maioritariamente, abolicionista, não sendo a atividade reconhecida como um trabalho. No entanto, foi anunciado um apoio social que consistirá num rendimento de cerca de 500 euros, a ser disponibilizado a mulheres vítimas de tráfico e exploração sexual, mas, também, a mulheres que exercem o Trabalho Sexual como profissão, mesmo estando em situação irregular no país, mas que devido à atual situação, se encontram impedidas de trabalhar e em situação de vulnerabilidade acrescida.
O objetivo é garantir que as condições mínimas de subsistência são asseguradas.
Em Portugal, foi enviada em março uma carta aberta à Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, que solicitava “medidas extraordinárias de apoio”, que permita aos/às trabalhadorxs do sexo cobrir as suas necessidades básicas e das suas famílias, diminuindo o impacto da suspensão da atividade nas suas vidas. Esta carta foi redigida pela Agência Piaget para o Desenvolvimento e subscrita pela Rede sobre Trabalho Sexual e pelo Movimento de Trabalhadores do Sexo – MTS.
O MTS é um movimento constituído, apenas, por trabalhadorxs do sexo, que tem por objetivo “a integração dos Trabalhadores do Sexo na sociedade, defendendo o reconhecimento do Trabalho Sexual como actividade legítima e legal, com direitos e deveres.”.
Para dar resposta às dificuldades que xs profissionais do sexo enfrentam, muitas organizações da sociedade civil, em articulação com o MTS, têm unido esforços de forma a resolver situações de maior precariedade. Um dos grupos que integra o MTS, o Grupo Partilha Da Vida, está a recolher donativos através da campanha Go fund me.
A situação pandémica que atravessamos veio revelar as condições precárias a que estão expostxs os trabalhadorxs do sexo e os perigos sociais que podem resultar das políticas abolicionistas. A alteração do atual enquadramento legal para a regulamentação do Trabalho Sexual permitiria garantir direitos básicos de apoio social, retirando xs trabalhadorxs do sexo da marginalidade e produzindo efeitos positivos ao nível económico e da saúde pública.
- A Casa da Mãe Xana pela profissionalização do trabalho sexual
- O trabalho sexual é crime? E o que é o lenocínio?
- Reportagem na Nova Zelândia sobre trabalho sexual: Um exemplo para o mundo
Plano AproXima
O Plano AproXima é um projecto financiado pelo Classificados X que se destina a trabalhadorxs do sexo, independentemente do género, orientação sexual, nacionalidade ou condição social. Temos uma postura livre de moralismos e preconceitos em relação ao trabalho sexual, pois acreditamos que todas as pessoas que decidem seguir esta actividade como profissão são auto-determinadas e devem ver garantidas a igualdade de oportunidades e os direitos fundamentais.
Visita-nos no website https://www.planoaproxima.org/ onde poderás encontrar informação importante e contactar a equipa directamente para esclareceres as tuas dúvidas.