24 septembre, 2020 A bela e o escravo
Era uma bela mulher, vestida apenas levemente, como quem tem prazer em exibir publicamente a sua beleza...
Quando Beoto voltou da taverna foi encontrar Glaucos, cada vez mais decrépito, a observar a sua mercadoria. Cegueta que era, fazia-o com mais dedos que olhos e o mercador torceu o nariz: não gostava que lhe mexessem no material. Contudo, o status do antigo senador impediu-o de esboçar uma crítica. Mais a mais, embora fosse um snob que regateava mais do que comprava, acabava sempre por levar alguma coisa e Beoto precisava de abastecer a bolsa em tempos anunciados de crise.
O lote era medíocre, corpos esgotados, marcados pelas agruras de intermináveis viagens, mais ossos que carne. Já não havia escravos como antigamente, queixava-se amiúde, com alguma razão. Três meses depois de largarem da Abissínia, era um espectáculo triste o que tinha para apresentar naquele pátio de Lucerna exclusivamente reservado ao comércio da carne.
Poucos cidadãos circulavam por ali àquela hora, quando o sol queimava, e menos ainda eram os que dispensavam alguma atenção àquele cardápio de destroços.
– Que espectros de homens são estes que nos trazes, bom Beoto? Se já parecem mais mortos que vivos…
– É a crise, excelência, é a crise.
– Temo que, se me atrevesse a levar estes espécimes até à minha Villa, não aguentariam outro trabalho que não fosse abrir a última cova onde se iriam deitar…
– Como disse, excelência, a crise.
– Triste destino o desta Roma moderna, onde a crise é desculpa para tudo...
Beoto não era homem de aceitar de ânimo-leve indirectas despudoradas como aquelas, tinha o seu brio profissional. Mas engoliu em seco e baixou a cabeça, ainda assim não se distraísse do seu lugar plebeu e acabasse por mandar sua excelência à merda.
A verdade é que sabia perfeitamente o que o outro queria e tinha a sua estratégia bem delineada. Podia fazer-se de tolo, mas estava muito longe de o ser. Sabia que ao apresentar à frente o produto danificado, isso só valorizava mais o “produto especial” que mantinha longe dos olhares públicos e que reservava apenas às bolsas mais recheadas do burgo.
Glaucos era bem conhecido na cidade. A sua Villa era a mais rica e sumptuosa de Lucerna. Não tinha falta de nada, muito menos de escravos. Assim, só uma coisa o motivava a marcar presença no pardieiro humano dos mercados da carne: favorecer a sua amada! Todos sabiam o artigo específico que ele e ela procuravam…
Beoto olhou em volta e mentalmente esfregou as mãos de contentamento: lá estava, não muito longe, uma liteira discreta mas ainda assim ricamente ornamentada, estacionada numa sombra. Isso confirmava o que todos sabiam: se Glaucos estava no mercado de escravos, isso queria dizer que Lavínia não estava longe! No secretismo da sua liteira, costumava observar as negociações até ao momento de dar, num sinal ensaiado, o seu parecer. Nenhum negócio se fazia sem a sua aprovação.
Lavínia era muito mais jovem que o marido. Corria-lhe nas veias o sangue mais nobre de Roma e o casamento “arranjado” com aquele marido idoso acrescentara-lhe estatuto ao que já lhe pertencia por direito. Por isso o aceitara de bom grado. Mas nada disso a fazia menos humana e Lavínia, como qualquer mulher jovem, tinha necessidades. Mais do que isso: na sua vida, onde nada faltava, poucos interesses tinha além do deboche e só uma coisa lhe dava verdadeira alegria: a sua colecção!
– Não desesperes, excelência. Sabeis que o bom Beoto nunca falha. Vinde comigo até à minha carruagem para que lhe mostre um artigo “muito especial”…
Revelou, então, das sombras nauseabundas da carruagem infecta, um macho com cerca de um metro e noventa, absolutamente musculado, desnudado, apenas com uma tanga à cintura que não chegava para lhe esconder o bacamarte.
– Foi capturado numa disputa pública depois de defenestrar os dois filhos, a mulher e o amante, que apanhou no acto vergonhoso. É um verdadeiro selvagem!
– Hum, e bem dotado… – observou o senador, que não conseguia desviar os olhos do pêndulo fálico que baloiçava entre as pernas do prisioneiro e quase lhe batia nos joelhos.
– Já vi burros menos prendados, essa é a verdade. Se fosse gladiador não careceria de espada, com um barrote desta envergadura sempre à mão…
– Trazei a besta até ao sol, para vermos que doenças transporta. De vez em quando devias dar banho aos teus animais…
Beoto pegou na trela de grossas correntes, cuja ponta se ligava à coleira que agrilhoava o pescoço do monstro, e puxou-o com violência para fora da carruagem. O sol feriu-lhe os olhos, mas o prisioneiro não os conseguiu cobrir, já que tinha as mãos amarradas atrás das costas.
Visto à luz, parecia uma enormidade ainda maior! Fome não passara, isso era certo, pois no seu corpo tudo estava onde devia. Estratégico, Beoto engordara a sua jóia da coroa com o alimento de que privara os restantes. Sabia cuidar da mercadoria, menos isso do banho, que considerava um desperdício de água. O suor e a merda que os fizesse brilhar…
E foi então que aconteceu o inesperado. Pela primeira vez, Glauco não recebeu um sinal secreto da sua amada, código para encetar o negócio. Ao invés disso, a pequena cortina da liteira abriu-se e Lavínia surgiu em todo o seu esplendor!
Era uma bela mulher, vestida apenas levemente, como quem tem prazer em exibir publicamente a sua beleza. Andou com passo seguro, indiferente aos mortais que se abismavam perante a sua visão, avançou até à besta em exposição e olhou-a nos olhos. Depois, sem qualquer pudor, afastou a tanga que mal lhe tapava o membro viril e os seus olhos abriram tanto que pareciam não caber dentro das órbitas. Estava notoriamente fascinada!
– Que Deus estranho deve ser o teu, que te dota de tal instrumento e em seguir te condena à escravidão. Não podes estar contente com ele! Já eu…
O estrangeiro, vindo de longínquas paragens, não compreendeu as palavras, mas algo nele não ficou indiferente às intenções.
– Preciso de sentir esse caralho imediatamente!
E, dito isso, perante a admiração tanto do marido como do mercador, Lavínia pegou ela própria na trela do animal e enfiou-se com ele na carruagem nauseabunda que, durante semanas, servira de “palácio” ao prisioneiro. Ali, entre excrementos secos e restos de comida putrefacta, se colocou de quatro e ordenou ao escravo que lhe arrancasse as virtudes como qualquer puta mereceria!
Durante a hora seguinte, ouviram-se sons, urros e lamentos que não eram conhecidos da espécie humana. Depois disso, Lavínia saiu arrastando-se da carruagem, ensopada em esporra, com a roupa e a pele rasgadas e o ânus aberto numa longa ferida ensanguentada.
Com um ar possuído e abandonado, de olhos vidrados, sem forças para mais, abraçou-se ao marido e mandou:
– Pagai ao homem o justo pela besta, pois ela acaba de ascender ao topo da minha colecção! E podes mandar abater os cavalos: depois de ter provado este caralho, nenhum outro algum dia me poderá voltar a preencher!
E Glaucos cobriu Beoto de sestércios, e Lavínia e o seu monstro com picha de cavalo foram felizes para sempre…
Armando Sarilhos
Armando Sarilhos
O cérebro é o órgão sexual mais poderoso do ser humano. É nele que tudo começa: os nossos desejos, as nossas fantasias, os nossos devaneios. Por isso me atiro às histórias como me atiro ao sexo: de cabeça.
Na escrita é a mente que viaja, mas a resposta física é real. Assim como no sexo, tudo é animal, mas com ciência. Aqui só com palavras. Mas com a mesma tesão.
Críticas, sugestões para contos ou outras, contactar: armando.sarilhos.xx@gmail.com