25 Abril, 2019 Memórias eróticas do padre Novais - Capítulo 1: O latim também alimenta
Se hoje posso dizer que fui um menino feliz, devo-o somente a ela: Bernardete.
Bernardete era analfabeta, mas tinha muito jeito para línguas. Vim a sabê-lo na noite em que bati à porta do quarto do Padre Núncio, para discutir um salmo que me andava a remoer os sentidos, e nem o padre nem a senhora Amélia, que dormiam juntos com o beneplácito da aldeia, me ouviram.
No entanto, eu ouvi-os a eles! Pelo menos, o suficiente para que as mãozinhas ligeiras da minha curiosidade ousassem rodar a maçaneta do medo e do pudor, e entreabrisse um nadinha a porta de onde emergiam aqueles rumores tão sugestivos. E então, vi-os…! A senhora deitada na cama, com a camisa de dormir e as cobertas atiradas ao chão, e Bernardete, a roliça sopeira da casa, ajoelhada de bruços com a cabeça enterrada entre as pernas da visita, que arfava como se rezasse uma novena.
Enquanto abocanhava as miudezas pintelhudas da senhora, abundantemente provida ao nível dos matagais, o padre, de piça hasteada e nobre, enfiava-se na sua racha doméstica, provocando em ambos ardentes gemidos em latim…
Ficaram assim e noutras variantes até as ancas da senhora Amélia entrarem numa espécie de erupção tremelicada e, arrepanhando com violência o escalpe da pobre linguista, começar a espirrar coisas líquidas da boca de cima e da boca de baixo. Todo um cerimonial festivo, devidamente acompanhado por uma orquestra gutural que fazia lembrar os urros das porcas nas manhãs de matança.
Alternaram então de posição, caindo a boa sopeira de boca no caralho teso do padre, enquanto a fidalga observava de perto, com mais olhos que barriga, ou decidida a confirmar o adágio que diz que os olhos também comem. Então o clérigo já abandonara as línguas mortas, passando a debitar as suas profecias em bom português:
– Isso, minha filha! Chupai bem, chupai tudo, por amor a nosso senhor!
Ao que a empenhada linguadeira ia replicando:
– Mmmm… Mmmm… Mmmm.
Estas sessões, vim a relacionar depois, eram conhecidas lá em casa pelas noites do “leitinho”. Já tinha ouvido o padre muitas vezes recomendar a Bernardete, no momento em que recolhia com a companheira do dia aos aposentos:
– Bernardete, não se esqueça, depois vá lá dar-nos o leitinho.
– Sim, senhor Padre. Esteja descansado, senhor padre.
Mas, na minha inocência, não chegara a decifrar o código. Pensava tratar-se de uma prosaica tarefa de fim de dia, a rotina da empregada que leva aos patrões o copinho de leite morno para lhes prevenir o azedume dos sonhos. Estava longe de pensar que se tratava de uma cambiante “moderna” dos ciclos da ordenha...
A partir daí, passei a assistir regularmente, do meu lugarzinho à porta sorrateira, àquelas emissões, que me transmitiam incompletas sensações mas que, ainda assim, me serviam melhor que passar os serões a descascar salmos e parábolas.
Invariavelmente, no final da sessão lá vinha o episódio que lhe dava o título: uns segundos antes do paroxismo, o padre dava três palmadinhas no ombro da brochista, que já conhecia o sinal. Então, tirava-se dele, expondo bem um par de tetas descomunais, e começava a bater-lhe uma punheta.
– Aí vem o leitinho, aí vem o leitinho! – exclamava, sôfrego, o padre Núncio, antes de se esporrar copiosamente nas mamas da Bernardete.
O ritual só terminava depois de a senhora do lado, devidamente instruída para o efeito, lamber toda a superfície esporrada das mamas da sopeira. Então, ficavam a dormir os três na cama – era outro clássico.
Essa noite foi a primeira em que tive a oportunidade de observar, em toda a sua extensão, o membro do Padre Núncio, cujo volume épico era normalmente entrevisto por baixo da batina. Suscitava, de resto, vasto e corrente falatório entre as beatas que, sempre contritas e de cabeça baixa, o olhavam menos vezes nos olhos que nas pregas da cintura.
A verdade é que não havia nenhuma qualidade de tecido capaz de travar tanta desenvoltura, pois nem com os paramentos mais pesados e mais camadosos que usava nas homilias, o generoso chumaço passava despercebido.
O padre, ainda jovem, pelos seus 30 anos, não notava ou fazia que não notava, limitando-se de qualquer forma a colher os benefícios que aquele poder lhe conferia. E que redundava no seguinte: homens ou mulheres, numa inaudita convergência democrática por ali, tinham um indisfarçável orgulho no seu padre caralhudo, que naquele particular ganhava de goleada aos cleros de qualquer outra paróquia! De forma que, de um modo um pouco enviesado mas muito natural, a piça do Padre Núncio se tornou património mundial da aldeia.
Também daí, provavelmente, a condescendência para com os seus desagravos às normativas eclesiásticas que, por princípio, o obrigavam ao celibato. Desta feita era a vez da senhora Amélia, mas muitas a antecederam e mais se lhe seguiriam.
Tarde ou cedo, não estando vinculadas pelas inibições do matrimónio (e algumas, bem casadas, começavam a arquitectar divórcios…), todas acabavam por experienciar as noites do “leitinho”, assim como outros formatos das mesmas, mais carnudos e carnais.
Porque havia realmente essa questão mais prática e em que todos estavam de acordo: um “animal” de tal porte precisava, necessariamente, de alimento! Assim, homens e mulheres honravam-no com o sacrifício benfazejo que se oferece aos deuses da fertilidade. E fechavam os olhos à transgressão, elas quando ele as fazia vir, eles quando sonhavam estar no seu lugar.
Por isso, dadas as peculiaridades específicas da situação, os paroquianos preferiam considerar que nesses desvios não morasse pecado. Era tanto uma questão de interpretação bíblica como de observar o serviço público que prestava à prole feminina da comunidade: Deus não podia esperar, com certeza, que depois de oferecer tal natureza a um dos seus sacerdotes, ele não a usasse para o bem!
Fosse como fosse, tornara-se uma peça – e que peça! – fundamental para o bom funcionamento da complexa engrenagem da freguesia.
E agora eu podia vê-lo em todo o seu esplendor, esse mítico e majestoso caralho sagrado!
Era de fato uma coisa que valia pena ser vista – não haveria, de todos os modos, possibilidades de o ignorar… Um membro de cabeça gorda e bastante pescoçudo, semelhando-se a um cogumelo selvagem dotado de uma grossa haste que se deixava arrastar por uns bons 18 centímetros.
Nada dizia tanto sobre o espanto daquela existência rara como os olhos das senhoras quando, pela primeira vez, o viam desembainhado às mãos da empregada. Esse era, aliás, o momento em que esqueciam as suas origens humildes e passavam a amar Bernardete, como por diversas vezes tive oportunidade de constatar.
Fosse quem fosse a amante do momento, expondo-se aos sacramentos do Padre Núncio era logo confrontada com aquela exigência: para comer o padre, era preciso comer a Bernardete! Vinha no pacote dele como condição primeira para que ele se viesse no pacote delas…
Quando a tríade recolhia à alcova, havia sempre um ar contrariado na expressão das senhoras pela inclusão daquela intrusa, para mais uma serviçal! Mas, assim que a visada começava a enrolar a camisa do padre com as suas mãos ligeiras e roliças, destapando aquele monte Abraão de maravilhosas expectativas, esse olhar contrafeito derretia e recebiam a inferior no seu seio como um colírio de virtudes. E quando ela, linguista de excelência pelo talento e pela prática, começava a chupar-lhes o grelinho pomposo, qualquer objecção que ainda restasse morria ali fulminantemente e, ao terminar tudo, só lhes apetecia levá-la para casa! Poucas foram as desdenhosas que, suportando inicialmente aquela desfeita pela paixão assolapada que nutriam pelo padre, não acabaram por apaixonar-se, à revelia de toda a sua nobreza, também pela ensossa Bernardete...
E eis porque, ao iniciar aqui as minhas memórias, o seu nome é tantas vezes citado. Por essas e por outras, que me dizem respeito mais particularmente…
Quando os meus pais consideraram que lá em casa já havia bocas suficientes para alimentar sem que a minha se lhes somasse, decidiram que eu iria para padre. Não era algo raro, muitas histórias de padres começam assim, por questões de gula ou de fraqueza. A mim calhou-me esse destino.
Para começar a minha formação, e antes de atingir a idade que me permitiria entrar no seminário, fui enviado para a casa do Padre Núncio. Teria então uns 6 anos e fui imediatamente submetido a uma disciplina rígida, em que alternava todo o tipo de actividades domésticas com o estudo profundo de matérias diversas. Aos 7 anos sabia ler, com 9 falava latim, e com 10 discutia assuntos bíblicos. Dificilmente poderia chamar às primeiras primaveras da minha vida uma “infância”, não se desse o providencial caso de ali morar também a Bernardete…
Ela foi a mãe que eu não tinha quando os sonhos maus me acordavam mijado. Foi a irmã confidente quando a idade das dúvidas me assaltou. E foi a mulher que se deseja quando as vontades misteriosas, despertadas muito por consequência das noites do “leitinho”, começaram a inquietar-me.
Se hoje posso dizer que fui um menino feliz, devo-o somente a ela. E se este registo literário serve, em última instancia, para partilhar com o leitor as memórias de um padre na sua esgrima diária com a tentação, é antes de tudo uma justa homenagem a essa mulher que sempre esteve lá para mim: Bernardete!
Foi ela quem me ensinou tudo o que era preciso saber para ambicionar uma vida plena. Foi ela quem me matou todas as fomes do corpo e do espírito. Foi por ela que derramei o primeiro leitinho, devidamente gemido em latim, e que mudou por completo a minha vida. Porque não é à toa que se costuma dizer que “o latim também alimenta”…
Mas essa é uma história para o próximo capítulo.
(continua...)
Armando Sarilhos
Armando Sarilhos
O cérebro é o órgão sexual mais poderoso do ser humano. É nele que tudo começa: os nossos desejos, as nossas fantasias, os nossos devaneios. Por isso me atiro às histórias como me atiro ao sexo: de cabeça.
Na escrita é a mente que viaja, mas a resposta física é real. Assim como no sexo, tudo é animal, mas com ciência. Aqui só com palavras. Mas com a mesma tesão.
Críticas, sugestões para contos ou outras, contactar: armando.sarilhos.xx@gmail.com