25 octobre, 2024 Mentes Conectadas: Isto acaba connosco!
Sobre quebrar o ciclo de violência doméstica e deixar de ser vítima.
Ontem, vi um filme. A mais bela história de violência doméstica. Apesar de a violência doméstica nada ter de belo, a história em si, o que o filme quer transmitir, é belo.
O filme mostra uma parte da vida de uma mulher em adulta, e uma parte em adolescente.
Tudo começa quando ela vai ao funeral do pai, mas quando lhe pedem para dizer cinco coisas que gostava nele, ela simplesmente não consegue.
Não consegue dizer nada de bom sobre um homem que batia diariamente na sua mãe. Um homem violento, abusivo.
Um dia, ainda adolescente, vê da sua janela um rapaz a entrar numa casa abandonada em frente à dela. Ela repara que ele sai de lá e procura lixo para comer. Ainda assim, sendo sem-abrigo, continua a ir à escola.
No outro dia, ela reúne umas mercearias da sua casa e vai entregar ao rapaz. Voltam a encontrar-se na paragem do autocarro da escola, e, juntos, começam uma bela relação de amizade e partilha.
Ele conta-lhe que só está naquela casa porque a mãe insiste em namorar homens abusivos que lhe batem, e que também lhe batem a ele.
Após esta partilha, esta identificação, a amizade deles torna-se mais forte, e um dia acabam a fazer amor.
Antes de começarem a fazer amor, ele pergunta-lhe SE ELA TEM A CERTEZA, e ela responde que sim.
Ela diz-lhe que é virgem, e ele diz que também só fez uma vez, e para ela não se preocupar, pois também ele não sabia muito bem como fazer.
O pai dela encontra-os na cama e bate no rapaz ao ponto de este ir para o hospital quase sem vida. Este evento marcaria a separação.
Entretanto, crescem e cada um segue o seu caminho.
Apesar de adulta, esta mulher continua a ressentir a mãe dela, pois não compreende o porquê de ter continuado com um homem que lhe batia. Achava a sua mãe fraca, e até sentia algum desprezo pela mãe. Era como se dissesse para consigo mesma:
“Comigo, seria diferente. Eu nunca serei como a minha mãe.”
Após o funeral, ela volta para casa e sobe a um terraço de um prédio, para ver a vista que proporcionava. Entretanto, aparece um homem...
A primeira vez que esta mulher vê este homem é no terraço do prédio dele. Ele entra e sem a ver, começa a pontapear uma cadeira.
Mais tarde, revelar-lhe-ia que ESTAVA A TER UM MAU DIA. Era neurocirurgião e tinha acabado de perder um menino de 6 anos na mesa de operações.
Esta justificação levou-a minimizar a violência dos pontapés que aquele homem deu à cadeira. Bonito, charmoso, rico e médico, parecia o homem perfeito.
O tempo passou. Ela abriu uma loja de flores e no primeiro dia, uma outra mulher rica entrou na loja, e pedi-lhe emprego, pois estava aborrecida com a sua vida. Ela deu-lhe emprego e passados uns dias, veio a descobrir que essa empregada era irmã do médico.
Ela e o médico voltaram a encontrar-se e começaram a namorar.
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Quando a história começou a mudar
Um dia, na cozinha, estavam a brincar e esqueceram-se de que estava algo no forno a cozinhar. O forno começou a apitar e ele, sem luvas, pegou no tabuleiro e queimou-se.
Quando ela o tentou ajudar, ele deu-lhe um estalo que a fez cair e magoar.
Mas ele PEDIU MUITAS DESCULPAS, e ela respondeu que NÃO ERA PRECISO, pois, tinha sido UM ACIDENTE.
Ainda assim, ela teve de colocar bastante base junto ao olho para esconder. Enquanto o fez, olhava para o espelho como se tentasse ver a sua própria alma. A dissociação estava presente.
Nessa mesma semana, a mãe dela veio visitá-la e, junto com o namorado, foram a um restaurante famoso. Foi aí que quando o empregado se aproximou da mesa, a história começou a ter um novo rumo...
O empregado era o dono do restaurante, e era aquele rapaz sem-abrigo com quem ela perdeu a virgindade no início do filme.
Ela desculpou-se à mesa e seguiu para a casa de banho à procura dele. Conversaram sobre coisas banais, mas ele notou a agressão que ela sofreu e colocou o número de telefone dele dentro da capa do telemóvel dela. Caso ela precisasse, era só ligar.
Quando saíram da casa de banho, o namorado esperava-os e, sem demoras, os dois homens começaram a agredir-se fisicamente.
O dono do restaurante estava a defender a amiga dele, enquanto o namorado estava a defender o estatuto dele, dizendo-lhe que ela era “zero” comparado com ele.
Passado algum tempo, o agora marido descobriu o papel com o telefone do outro dentro da capa do telemóvel e, numa discussão, mandou-a das escadas abaixo, provocando um golpe na testa dela.
Como médico, começou a avaliá-la para ver se ela estava bem, e a dizer-lhe que a estava a ajudar, ao que ela respondia, que sim, que sabia que ELE ESTAVA A AJUDÁ-LA. Assim, respondeu às perguntas clínicas todas para se ver se havia danos maiores.
Ela tinha um coração pequenino tatuado perto do peito, uma coisa que em adolescente tinha feito com o rapaz sem-abrigo.
A fuga de casa
Um dia, na cidade dela, saiu uma revista com os melhores locais da cidade. Estava lá a loja de flores dela, mas também estava lá o restaurante do rapaz, onde ele falava de como o tinha começado e porquê. Ele dizia, nesse artigo, que o restaurante era inspirado nela.
Quando chegou a casa com a revista, o marido obrigou-a a ler o que o rapaz tinha dito. Ela disse que não queria ler em voz alta, ou até mesmo ler, mas, ainda assim, ele obrigou-a a ler em voz alta. Por fim, atacou-a, tentando violá-la, e chegou mesmo a morder-lhe a tatuagem.
Ela fugiu de casa e foi ter com o rapaz sem-abrigo que a levou ao hospital. Descobriu, então, que estava grávida e partilhou com ele que seria melhor fazer um aborto. Ele disse-lhe que não, pois se havia pessoa mais maravilhosa para cuidar de uma criança era ela!
Este homem ama está mulher, ainda assim pede-lhe para que ela tenha a criança de outro homem por causa das qualidades que vê nela. Que bela forma de amar!
Entretanto, a irmã do marido diz-lhe que, "como irmã", gostava que ela procurasse uma forma de o perdoar, mas que, "como amiga", nunca mais lhe falaria se voltasse para ele.
Que bela mensagem esta da irmã dele! Que bela forma de amar e cuidar de outro ser humano!
Fim do ciclo de violência doméstica
O filme continuou e a criança nasceu - uma menina. A mulher disse ao marido que lhe ia dar o nome do irmão dele que morreu em pequeno. Ia honrá-lo dessa forma, num ato de amor incondicional perante aquela família.
Entretanto, e após ele ter agradecido e ter ficado muito comovido, ela disse-lhe que queria o divórcio. Ele pediu-lhe para não o fazer e ela respondeu:
- O que dirias à nossa filha se chegasse ao pé de ti e te dissesse que o namorado lhe tinha batido, mas que não era nada de grave, pois ele estava apenas a ter um mau dia? O que dirias à nossa filha se o marido continuasse a bater-lhe?
Ele respondeu:
- Dir-lhe-ia para fugir dele e nunca mais voltar atrás nessa decisão.
Sorriram ambos e ela abraçou fortemente a filha dela e disse-lhe:
- Isto acaba aqui! Acaba aqui connosco!
Um choque doloroso
Para além de ter conseguido, finalmente, ter empatia pela mãe, e compreender como é fácil a dissociação, a mulher do filme também conseguiu quebrar o ciclo de violência doméstica na família.
É dos choques maiores que um ser humano pode ter quando ama alguém e essa pessoa começa a tratá-la mal. É tão doloroso, mas tão doloroso, que se arranjam justificações para o abusivo que é o amor da nossa vida.
Amamos aquele homem, entregamo-nos àquele homem de corpo e alma. Então, parece impossível o que está a acontecer. Tem de haver uma razão para estas reações dele!
E se o agressor for ALCOÓLICO OU TOXICODEPENDENTE? Então, é considerado doente!
A vítima terá de ir para uma casa de abrigo, mas o toxicodependente terá os tratamentos que quiser num centro de tratamento, sempre que precisar.
Enquanto isso, a vítima tem de estar numa casa de abrigo e perde tudo aquilo que conquistou.
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O que passa pela cabeça das vítimas
A vítima de certeza que tem estas questões na cabeça:
- Não estou a fazer o suficiente?
- Será que fui eu que, de alguma forma, o provoquei?
- Não limpo bem a casa, ou não lhe passo melhor a roupa a ferro?
"Alguma coisa estou a fazer de errado para que este homem mostre ódio por mim", pensa.
"Se calhar, vou começar a alterar algumas coisas que sei de antemão que ele não gosta, e assim ele vai ficar calmo. Se eu mudar e perder a minha identidade, então tudo se vai resolver e ele vai-se sentir muito melhor."
E quando estas mudanças não resultam e ele continua agressivo, a vítima pensa, então, em "novas formas de o acalmar", mesmo que isso a leve a perder toda a sua identidade e a andar no mundo como se estivesse no cinema, a ver um filme que não é seu.
"Este homem disse-me que me amava, até me fez mulher dele, deu-me filhos, deu-me uma casa e disse que seria o meu porto de abrigo. Então, porque tenho tanto medo quando estou a chegar a casa?"
"Porque tenho tanto medo quando chega a hora de ele chegar a casa? Eu fiz tudo o que ele me mandou fazer com a promessa de que ele ia melhorar. O que deu errado?"
"O que estava errado com a comida que fiz a tempo e horas, com as viagens e passeios que lhe proporcionei, com o estar lá para ele 24 horas por dia?"
"Dei-lhe amor, dei-lhe a minha identidade, dei-lhe a minha alma e nem uma festa na cara recebo!"
"O que fiz de errado quando o mundo me pede para pedir ajuda à justiça, e eles olham para mim como um número!"
"Dão-me para as mãos um questionário para eu preencher, onde me perguntam se ele já me violou, mas não tem lá escrito: Ele priva-a de ter relações sexuais com ele como uma forma de a castigar, dizendo-lhe que você não merece ter sexo com ele porque não se porta bem?"
"Que mal fiz eu para, como vítima de violência doméstica, ser obrigada a contar a minha história à PSP, a seguir à investigação criminal, a seguir aos procuradores, a seguir aos juízes? Porque me obrigam, de forma abusiva, a contar uma história de dor, vezes sem conta, a tanta gente?"
"Porque sinto que estou novamente a ser “violada”, abusada emocionalmente? Que mal fiz eu para não merecer uma mesa para apoiar os braços, esconder um pouco o meu corpo, pois a vergonha é tanta, quando estou em julgamento?"
"Que mal fiz eu para me sentarem numa sala de julgamento, na mesma cadeira que usam para um criminoso comum?"
"Que mal fiz eu para invalidar o meu caso, pois só apresento abuso emocional e como não tenho marcas no corpo, então não interessa, não serei considerada vítima de violência doméstica!?"
"Que mal fiz eu para ter de sair da minha própria casa e ir para um abrigo? Que mal fiz eu para perder tudo, a minha casa, o meu conforto? Então, para onde vou? Será melhor voltar para o agressor e conformar-me com o meu destino..."
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Só números e estatísticas
Para além da história desta mulher do filme que decidiu acabar com o ciclo de violência doméstica, também vos falei da realidade deste país. Uma realidade tão distorcida de lidar com as vítimas de violência doméstica que são apenas números e estatísticas.
Vítimas que nem psiquiatras validam com stress pós-traumático. Em vez disso, enchem-nas de medicação para as colocarem quase a dormir. O agressor agradece, pois, ficam quase inanimadas a sofrerem abusos.
As vítimas têm de ir para abrigos, onde tomam banho e se sentam a comer com uma data de outras vítimas que nem conhecem! Deixam para trás as suas camas, cozinhas, casas de banho, a sua privacidade…
Ser vítima de violência doméstica, neste país, é ir encontrar uma nova forma de punição!
Relatar a tantos estranhos o que aconteceu é punitivo – de cada vez que a vítima tiver de falar sobre isso, será despedaçada a cada relato vergonhoso pelo que passou.
Pedem até especificidades, ou seja, a vítima tem de verbalizar, em voz alta, as ofensas, as asneiras que o agressor lhe dirige. Não há maior vergonha e não há maior ato vergonhoso do que esse!
A vítima que já está desassociada do seu ser, sente a vergonha, mas nem lhe ocorre que esta é outra forma de violência, de punição. Por isso, para além do stress pós-traumático, pode também sentir o chamado Síndrome de Estocolmo, achando que é errado o que lhe estão a pedir.
A vítima obedece a toda esta gente porque era o que fazia com o agressor:
- Se eu me portar bem, da forma como ele quer, então, vai parar de me ofender ou de me bater. Se me portar bem e fizer tudo o que a justiça pede, então, vão ajudar-me.
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Até à próxima - Mentes Conectadas X
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